Empurrados para o privado

Mais 20 médicos do Serviço Nacional de Saúde (SN) entram na reforma esta segunda-feira: onze de medicina geral e familiar e nove de várias outras especialidade hospitalares. O que aumenta para 309 o número de clínicos aposentados desde o início do ano – quase tantos como o número de profissionais reformados (400) que Paulo Macedo…

Somando aos 309 todos os que se aposentaram desde 2010, são 3.051 os médicos que se reformaram nestes últimos anos. “Empurraram-nos para a reforma quando quiseram fazer cortes  e agora querem contratar-nos de novo nestas condições. Não alinho nisto”, critica Nuno Leite que  era médico de família numa unidade de saúde familiar em São Félix  da Marinha,  em Arcozelo,  e que há um ano decidiu reformar-se. Podia ter aguentado mais uns meses para atingir os 66 anos (a idade da reforma) e ficar com a pensão sem penalização, mas não aguentou.  Reformou-se em Maio de 2014,  com 65 anos e um mês: “Era muita pressão. Pressão para receitar genéricos, pressão para não ultrapassar os plafonds orçamentais de meios complementares de diagnóstico, como fisioterapia”. Lembra que um dos critérios de avaliação era exactamente o cumprimento destes parâmetros financeiros. Nuno Leite, que esteve 36 anos a trabalhar no SNS, garante que nos últimos tempos se “desiludiu”, especialmente com o funcionamento das Unidades de Saúde Familiar que “perderam toda a autonomia”. Deixou o SNS, mas não a vida de médico. Além de fazer algumas consultas privadas, exerce no sector social e começou a trabalhar com instituições de socorros mútuos. 

Privado paga melhor

Grande parte dos profissionais de saúde que se reformam optou pelo sector privado, onde consegue ganhar mais. “No público, o valor/hora era 17 ou 18 euros. Agora, chego a ganhar 40”, diz António Tavares  da Silva, que em 2010 se aposentou com 55 anos e 30 de carreira. Era um dos médicos de família na extensão de Pinheiro da Bemposta, que integra  o Centro de Saúde de Oliveira de Azeméis. “Era uma violência. Trabalhava dia e noite”, recorda, sublinhando que o rendimento não ultrapassava os 1.600 euros por mês.  Por isso, como a lei permitiu que se reformasse antes do tempo, não hesitou. “Tive uma penalização de 31% na pensão mas não me arrependo”, explica, recordando que,  como naquela data a idade da reforma situava-se nos 62 anos, sofreu 4,5% de penalização por cada um dos sete anos que faltavam. Todos os meses recebe de pensão 1.100 euros pelos 30 anos de trabalho no SNS. 

Como sucede com muitos outros colegas, António Tavares da Silva optou pelo sector privado. No seu caso, uma vez que, além de Medicina Geral e Familiar se formou também em Medicina do Trabalho, decidiu dedicar-se a tempo inteiro a esta última, prestando serviços a empresas privadas. “Por 20 horas por mês, chego a ganhar o mesmo que recebia por 140 horas no centro de saúde”, explica.

Apesar de faltarem  cerca de 800 médicos de família em todo o país, é na especialidade de Medicina Geral e Familiar que  se verifica maior número de reformas. Segundo dados recolhidos por Arnaldo Araújo, do Sindicato Médico do Norte, dos 309 reformados deste ano 146 eram médicos de família. Nos últimos cinco anos, 1.410 clínicos gerais terminaram a carreira no sector público. Já os hospitais perderam 1.312 médicos de diversas especialidades. 

António Camolino trabalhava como ginecologista no Hospital de Vila Franca de Xira, mas em 2010, com 57 anos, pediu a reforma antecipada. Não abandonou logo o hospital, pois recorreu a uma possibilidade permitida na lei: suspendeu a reforma, garantindo no entanto que os valores a ter em conta nas sua futura pensão seriam os da data do pedido. Mas em 2012 decidiu mesmo reformar-se. Hoje, trabalha apenas no privado: é director de serviço de Ginecologia do Hospital do SAMS e dá consultas num consultório privado.

42 mil médicos no activo

Artur Osório, presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, garante, porém,  que a aposta do sector privado é nos jovens e não nos reformados do SNS. “Hoje em dia, 40% dos médicos dos privados têm menos do que 10 anos de especialidade”, nota, explicando que em pediatria, por exemplo, 90% dos profissionais são recém-especialistas.

Já o bastonário dos médicos, José Manuel Silva, refere que se assistiu a uma corrida dos médicos às reformas antecipadas quando perceberam que estavam a ser feitos cortes nas pensões: “Perante a alteração sucessiva dos cálculos, muitos quiseram garantir que tinham uma reforma, mesmo com alguma penalização”.

No entanto, o bastonário garante que não há falta de médicos no mercado. Segundo dados da Ordem dos Médicos, estão inscritos e activos 42 mil profissionais com 69 anos ou menos. Isto além dos 2.000 com 70 anos ou mais. 

O problema, alerta José Manuel Silva não é a carência de profissionais, mas a falta de contratação no SNS. “Temos 4,1 médicos por cada mil habitantes, o que nos coloca como o quarto país da UE com mais médicos. Mas o SNS é que não contrata”, defende José Manuel Silva, garantindo que os dois mil jovens que saem anualmente das faculdades chegam e “até sobram”.

José Manuel Silva acrescenta  que, de ano para ano, aumenta  o número de médicos inscritos na Ordem, uma consequência do aumento de vagas que se verificou desde há alguns anos.

catarina.guerreiro@sol.pt