Escolha bem a chouriça

A Organização Mundial da Saúde avisa. O português teme pelos seus enchidos. A Direção-Geral de Saúde vem a correr tentar desfazer o choque causado pela surpresa. E depois, a avaliar pelo silêncio que se seguiu, imagino que o português tenha respirado de alívio. Afinal, os enchidos estão outra vez a salvo!

Por acaso, não foi no cabeleireiro mas nos correios que ouvi as primeiras vozes de indignação. Alto e bom som, a senhora à minha frente reivindicava a liberdade de comer o que lhe desse na gana, a sua pouca consideração para com o organismo estranho que é a OMS e a excelente saúde e longevidade do avozinho, que tinha comido carne de porco e enchidos toda a vida

Apeteceu-me muito dizer qualquer coisa, pelo menos para sossegar a senhora. Apeteceu-me dizer que a recomendação da OMS não passava disso mesmo – de uma recomendação – e que nunca poderia ser uma proibição. Apeteceu-me dizer que, muito provavelmente, os enchidos que o avô da senhora incluía na sua alimentação eram produzidos pelo próprio e não provinham de um supermercado qualquer.

Não estando aqui em questão se as carnes vermelhas e os enchidos e fumados aumentam ou não o risco de cancro, o certo é que grande parte destas pessoas esquece-se de que os avós não compravam a chouriça no supermercado – antes criavam o seu próprio porco, alimentavam-no, matavam-no e depois tratavam de o transformar em bifes, costeletas, entrecosto, e claro, na bela da chouriça. E é ingénuo pensar que essa diferença não tem qualquer impacto na nossa saúde.

Não sou adepta de nenhuma filosofia alimentar. Acho o movimento da comida crua muito pouco natural, não sou vegetariana porque sou demasiado preguiçosa para transformar grãos de soja em qualquer coisa com sabor, e não excluo o glúten. Mas tornei-me fã incondicional do artesanal, do biológico e do local.

A vida no campo pode ser extremamente enfadonha para alguns, mas tem a vantagem de nos aproximar mais da natureza e da origem das coisas. E é assim que ficamos a saber que a galinha da vizinha, criada ao ar livre, tem um sabor e uma textura completamente diferentes daquele bocado de carne amarela que compramos já convenientemente embalada no supermercado.

E o mesmo se passa com as alfaces, por exemplo. É claro que, se a galinha não viesse já depenada, não sei muito bem se me desenrascaria sozinha. Provavelmente, não.

Sei que os produtos regionais, biológicos e certificados são mais caros, e tenho consciência de que não estarão ao alcance de todas as bolsas. Mas também sei que, muitas vezes, as bolsas não têm noção das prioridades. E quereremos poupar na alimentação o que não poupamos, por exemplo, no telemóvel…

Em agosto visitei um artesão aqui no Cercal do Alentejo, que faz mantas, tapetes e malas. Gostei especialmente das malas. É tudo feito por ele e em tear manual. Como eu era a única visitante naquela altura, pude fazer perguntas à vontade. Perguntei os preços de tudo e de mais alguma coisa, inquiri-o sobre os materiais usados, a sua origem e durabilidade, a forma e o processo de trabalhar a lã, a razão pela qual a lã hoje em dia é tão cara e a lã portuguesa é tão difícil de encontrar. Não comprei nada, mas fiquei maravilhada com toda aquela informação. E não comprei mais nenhuma mala desde então…

E o que tem isto a ver com as chouriças? Todas as nossas ações têm um determinado impacto. Ao conhecermos a origem e o método de produção da chouriça, podemos decidir com consciência que tipo de impacto a nossa escolha terá em nós mesmos e no mundo à nossa volta.