Europa?

Infelizmente, o tal ‘anão político’ de que tantas vezes se fala parece não se ter agigantado neste primeiro grande teste após o Tratado de Lisboa.

asemana começou com um suspiro de alívio, quando a irlanda recorreu ao instrumento ad-hoc, o meef – mecanismo europeu de estabilização financeira que, tardiamente e em desespero, fora criado em maio pela ue – união europeia para abrir uma janela de ‘sobrevivência’ à grécia. embora tenha dúvidas de que a acalmia esteja sustentadamente de regresso…

foquemo-nos nos dois países ‘intervencionados’:

no caso da grécia, e perante a nova revisão estatística do défice de 2009 (até quando vai o eurostat rever valores?) e a revisão em baixa das projecções de crescimento, o governo veio solicitar uma alteração do prazo de ajustamento inicialmente negociado; o fmi concordou, mas a áustria e a alemanha não, tendo estes países condicionado o desbloqueamento da próxima tranche de empréstimo à implementação de medidas de contenção adicionais. ou seja: bastou o aparecimento de uma primeira dificuldade para se evidenciar a fragilidade estrutural do referido meef (750 mil milhões de euros) – cada país apoiado fica nas mãos de um requisito de unanimidade dos restantes parceiros, visto que apenas 60 mil milhões são de origem europeia e que a maior fatia (440 mil milhões) constitui uma verba inter-estatal (os restantes 250 representam a contribuição do fmi).

quanto à intervenção na irlanda, os detalhes ainda não são totalmente conhecidos, mas sabe-se que obrigam o país, em situação de pré-falência, a sujeitar os seus cidadãos a violentas medidas adicionais de contenção para conseguir um apoio de cerca de 80 a 90 mil milhões de euros que se destina, sobretudo, a robustecer os seus bancos. ou seja: é preocupante que, alegadamente por falta de consenso político, a ue esteja a ser tão comedida e prudente na concretização de uma solução comum para os bancos europeus (a qual prevê, entre outros mecanismos, a responsabilização dos próprios pela sua falência), enquanto a realidade dos factos, estimulada pelo discurso de alguns lideres políticos, empurra essa mesma ue a abordar abertamente a falência de estados da zona euro, mesmo quando são os problemas do sistema bancário que, em última instância, a estejam a gerar.

estes dois exemplos bastam para se perceber que a europa, se realmente quisesse encontrar uma solução para o problema da dívida soberana – o que é largamente o mesmo que equacionar a sobrevivência da ue enquanto projecto político –, teria de procurar soluções a um nível marcadamente europeu e nunca debaixo do discurso tutelar dos países mais fortes ou em equilíbrios precários de carácter conjuntural e bilateral que sujeitam cada país ao julgamento dos seus pares e à luz de critérios pouco claros ou estáveis.

é em alturas como esta que os cidadãos, recordando delors, buscam nas suas principais instituições (na comissão e seu presidente barroso, e no conselho e seu presidente van rompuy) uma visão europeia de médio e longo prazo que possa conferir à zona euro um poder de controlo dos mercados minimamente compatível com o respectivo peso económico e financeiro no contexto mundial; mas, infelizmente, o tal ‘anão político’ de que tantas vezes se fala parece não se ter agigantado neste primeiro grande teste após o tratado de lisboa.

neste quadro, resta o poder reforçado que o referido tratado atribuiu ao parlamento europeu e que este parece querer usar num difícil combate em que, progressivamente, alguns consensos vão ganhando forma em torno de três eixos fundamentais: uma solução europeia para a regulação dos mercados financeiros (incluindo a falência dos grandes bancos); um mecanismo estável e europeu para a gestão solidária da dívida soberana (incluindo, se possível, o lançamento de obrigações europeias); a consciência de que não há sobrevivência possível do projecto europeu, nem sustentabilidade a prazo dos objectivos de défice e dívida, enquanto não forem colocados no centro da agenda o crescimento e o emprego e as continuadas e crescentes divergências entre os estados-membros. resta saber se tal conseguirá vingar e, em caso positivo, se ainda se irá a tempo…