Fiscalidade, crescimento e famílias

É imperioso adoptar uma política fiscal favorável ao crescimento económico.

Só o crescimento económico poderá melhorar as condições de vida da população (que passa pela resolução do problema da habitação). No entanto, as dificuldades são conhecidas: elevado nível de dívida pública e privada e um tecido empresarial caracterizado por micro e pequenas empresas.

Na verdade, a pequena dimensão das empresas (e o seu escasso capital) é muito desfavorável numa economia aberta, pois há uma correlação positiva entre a maior dimensão empresarial e maiores níveis de remunerações salariais, de I&D e de acesso aos mercados e aos canais de distribuição. Por isso, é imperioso adoptar uma política fiscal favorável ao crescimento económico, assente na resiliência, capitalização e concentração, sem redução de receitas fiscais que o orçamento não possa acomodar, em virtude da enorme dívida pública, decorrente da falta de vontade de reformar o Estado.

O apoio à resiliência empresarial passa pela possibilidade, para efeitos de IRC, de deduzir os prejuízos fiscais de um exercício aos lucros de exercícios anteriores. Este reporte fiscal para trás permite ceder às empresas que o mereçam, quando dele necessitam, os meios financeiros que apoiem a sua solvabilidade. Vejamos: se empresa teve lucros no passado e tem prejuízos no presente, evidencia que merece (foi lucrativa) e precisa (tem prejuízos) de ter apoio à tesouraria. Este apoio não corresponde a uma despesa fiscal, pois os prejuízos fiscais reportados para trás não serão deduzidos no futuro.

Já a capitalização passa pela criação de um crédito fiscal para novos investimentos na concentração e capitalização empresarial, decalcado do SIFIDE por I&D indireto, passível de ser transacionado, para permitir a captação de IDE (dada a possibilidade de monetização desse crédito de imposto). Idealmente, teria sido (mas infelizmente não o foi) associado a um mecanismo de coinvestimento do Estado, através do Banco de Fomento, financiado pelo PRR.

Antes de falar em promoção da consolidação, urge combater a sua discriminação. Ou seja, abolir a inexplicável progressividade introduzida no IRC pela derrama estadual. O incentivo da concentração empresarial, passa pela isenção ou redução da tributação em IRS das mais valias, assim como da tributação em Imposto do Selo das aquisições a título gratuito, quando esteja em causa a concentração de mais de metade do capital social de uma empresa familiar num conjunto de descendentes e esse controlo societário seja mantido por um prazo mínimo.

O mesmo deveria ocorrer na transmissão do capital de empresas familiares a terceiros por ocasião de uma operação de concentração, ou sempre que as mais valias estejam associadas à colocação de partes de capital representativas de uma percentagem mínima de capital social em mercado regulamentado. Porém, muitas vezes, as operações de reestruturação ou concentração não ocorrem pela incerteza das eventuais, mas proibitivas, consequências fiscais. A obtenção de certeza sobre o seu concreto regime tributário em tempo útil é, pois, crucial. No entanto, hoje, essa certeza célere é impossível de ser obtida.

A solução passa pela criação de formulários eletrónicos com identificação prévia dos dados a fornecer pelo contribuinte, com previsão de diferimento tácito em prazo curto e suscetível de pedido arbitral em caso de indeferimento. Reporte fiscal para trás, favorecimento da capitalização, das reestruturação e das concentrações, por vezes sem qualquer encargo fiscal, como no caso da sistematização das informações prévias, são pois meios eficazes de melhorar as condições de vida das famílias, pelo favorecimento do crescimento económico que possibilite melhores remunerações.

Outras medidas pontuais, poderão facilitar, também, esse objetivo: continuação da “normalização” das retenções na fonte de IRS; reposição de abatimentos e deduções em IRS para melhor estimar a capacidade contributiva das famílias; redução da rápida progressividade associada aos escalões de IRS; e alargamento da arbitrabilidade dos atos em matéria tributária, como forma de aumentar a celeridade da justiça tributária, incluíndo nova possibilidade de remessa de processos pendentes para os tribunais arbitrais. Mas como a habitação é, hoje, o principal problema das famílias (escassez da oferta, taxa de juro, inflação) em consequência do regime fiscal (e não de pseudo inimigos, convenientemente identificados: vistos gold, RNH, turismo), o “imposto mais estúpido do mundo” (o IMT, sucessor da SISA e causa de enorme inflação do preço do imobiliário) precisa de ser urgentemente substituído pelo IVA, a taxa reduzida.

Bem se sabe que o Orçamento (anual) do Estado não é instrumento adequado para grandes (ou pequenas) revoluções fiscais. Mas seria muito útil se o sentido da estratégia começasse já a ser definido. E porque não, através de autorizações legislativas ao Governo, a vigorarem durante o ano de 2024? No entanto, infelizmente, temo que sobre estes temas o Orçamento nada diga.

Jurista e especialista em fiscalidade

Nota da redação: Esta crónica foi escrita antes da apresentação do OE 2024, mas o Portugal Amanhã pensa o país a 20 anos e não a um orçamento ou um ciclo eleitoral.