Girls Experience: As ondas da Madeira estavam “iradíssimas”

A Madeira encheu-se de verdadeiras profissionais e houve uma enorme troca de experiências entre atletas mais batidas e mais jovens, o que mereceu elogios e alimentou a alegria de todas as participantes

Ondas perfeitas, um tempo fabuloso e uma vibe espetacular fizeram destes últimos dias a ilha da Madeira um spot brutal. A linguagem pode parecer descontraída, mas é mesmo esse o adjetivo que caracteriza o BodyBoard Girls Experience: descontraído. O evento, cuja terceira edição se realizou entre os dias 20 e 25 de setembro, ficou marcado pela presença de vários nomes deste desporto e pela concretização do objetivo a que se propunha – chamar atenção para uma modalidade que ainda é desconhecida por muitos.

“Este evento pretende promover o bodyboard feminino junto do grande público e a ilha Madeira como destino privilegiado para a prática da modalidade pela qualidade e variedade das suas ondas. É um encontro anual entre campeãs, que serve também para descobrir novas campeãs, destacando o papel da mulher no contexto desportivo, valorizando a iniciação desportiva das jovens e a sua capacitação competitiva em ambiente de paridade e fairplay. Para além disso, o evento abrange também um programa alargado com atividades turísticas, de lazer e de responsabilidade social”, explicou ao i a organizadora (e também ela uma bodyboarder) Carina Carvalho.

Foi neste âmbito que a Madeira se encheu de verdadeiras prós. Podíamos achar que iriam assumir uma postura distante, arrogante ou fria, mas a realidade provou a velha máxima: ‘primeiro ouve-se (neste caso, conhece-se) e depois julga-se’. Neymara Carvalho, a atleta brasileira pentacampeã mundial de bodyboard, recebeu-nos com um sorriso e um abraço. “Que bom tê-la aqui connosco”, disse antes de se atirar às ondas. A atleta de 40 anos, conhecida como ‘Neymáquina’, ausentou-se das competições internacionais durante dois anos, regressando o ano passado às provas. Ao receber o convite para integrar o ‘elenco’ desta iniciativa, não hesitou.

“Não conhecia a Madeira, um local tão perto de um evento que eu já frequento há 20 anos, o Sintra Pro. Calhou ter uma semana entre as provas do campeonato mundial e poder vir aqui. Está a ser uma experiência incrível, a Madeira tem paisagens lindas e ondas boas”, disse ao i a pentacampeã.  “A melhor parte desta trip é a interação com as mais novas. Pude conversar com algumas delas, passar a minha experiência e ouvi-las. Surfar com elas e ver a sua evolução, bater palmas dentro de água pelo que fazem nas ondas é um incentivo e uma troca de experiências. Para mim, a mais velha, isto dá-me ainda mais vontade de continuar no desporto, eu agarro-me à energia delas”, acrescentou.

Outra das figuras que atraiu a atenção dos madeirenses foi Isabela Sousa, que se sagrou recentemente tetracampeã nesta modalidade. A equipa de imagem do evento estava sempre a tirar-lhe fotografias dentro e fora de água, mas a atleta brasileira arranjava sempre tempo para falar um bocadinho – mesmo se fosse a seguir a muitas horas de manobras no mar, sessões fotográficas e um jantar fora de horas. 

“É completamente diferente a forma como estamos neste evento quando comparada com a nossa postura num mundial. Acho que a Madeira tornou-se mais especial ainda por a ter conhecido através deste evento – visitar um lugar novo, lindo como este, com pessoas que conheço e que gostam de fazer o mesmo que eu é diferente de vir sozinha”, explicou.

Para Isabela, esta é uma iniciativa que deve ser valorizada, já que, tal como na maioria das áreas da nossa sociedade, a mulher ainda tem de se esforçar para chegar ao patamar do homem: “Não conheço um desporto em que a mulher esteja em pé de igualdade com o homem. Em alguns países, o bodyboard é considerado uma modalidade masculina por ser um desporto de atrito – levamos com ondas pesadas, as manobras em si são difíceis e é um desporto que pode deixar o corpo bastante magoado. Mas no Brasil é visto como um desporto feminino, as primeiras campeãs mundiais foram brasileiras e ainda hoje existe essa hegemonia do bodyboard brasileiro. No Brasil, de certa em forma, as mulheres são tratadas como os homens. Mas no circuito mundial e noutros países vejo que há uma disparidade bastante acentuada”, disse ao i.

A história de Patrícia Setúbal, uma das melhores bodyboarders brasileiras, ilustra bem qual o espírito destas atletas e a sua missão ao integrar iniciativas como estas: “Inaugurei em 2011, no Ceará, uma escola de bodyboard para os jovens com mais dificuldades, onde não só temos aulas, como outras atividades educativas em que, através do desporto, ensinamos os adolescentes a serem bons cidadãos”, contou ao i. Este trabalho tem gerado muitos frutos – hoje em dia, vários atletas da escola de Patrícia dão cartas no mundo do bodyboard: o jovem Diego Gomes, de 17 anos, ganhou a primeira etapa do mundial, no Rio de Janeiro. “Isto tira os meninos de uma comunidade pobre, onde não existe um pingo de esperança. Vários estavam já a entrar nas práticas criminosas e nós conseguimos resgatá-los, tirá-los dessa realidade e mostrar-lhes uma melhor”, acrescenta a atleta brasileira, que nesta escola 40 jovens, com idade entre os 10 e os 18 anos.

Todas as aletas têm muitas histórias para contar, mas, durante estes cinco dias, o que elas queriam mesmo era descontrair e conviver com as amigas… E as adversárias.

“É um evento diferente onde estamos mais descontraídas e fortalecemos a nossa amizade com as restantes competidoras”, diz a aleta brasileira Priscilla Medeiros. “Hoje em dia ainda não há muitas mulheres a fazer bodyboard, por isso é necessário existirem eventos como este para promover o desporto”, acrescenta a japonesa Ayaka Suzuki, número 5 do ranking mundial.

Muitas outras atletas marcaram presença nesta iniciativa: a atleta das Ilhas Canárias Marina Taylor, a venezuelana Lumar Guittard e a portuguesa (e vice-campeã do mundo) Joana Schencker eram algumas delas. De profissionais de 40 anos a jovens amadoras que sonham chegar ao circuito mundial – a basca  Rebeka Antia tem apenas 13 anos e já apanha ondas que merecem uma salva de palmas de Neymara Carvalho -, o BodyBoard Experience Girls tinha ondas para todas.

 Os dias começavam com uma sessão de freesurf na Fajã da Areia, em São Vicente, junto ao local onde as atletas estiveram hospedadas. Todas faziam questão de aproveitar o mar da Madeira, cuja qualidade ainda não é tida em conta por muitos. 

“A posição geográfica da ilha e o substrato rochoso dos seus fundos permite termos ondas de classe mundial, tal como temos no Havai e na Indonésia, por exemplo. Ou seja, ondas com força, perfeitas e tubulares, que funcionam com grandes ondulações e são adequadas para pessoas mais experientes. Estas são a maioria, mas também temos alguns spots para iniciação à volta da ilha, com fundos de areia que proporcionam condições para a aprendizagem e iniciação no desporto, favorecendo a prática aos mais inexperientes”, explica Carina Carvalho.

Depois de vários 360º, rolos e tubos, as atletas ainda tinham energia para ir explorar a ilha: apreciaram a beleza do Pico do Arieiro, exploraram a Ribeira da Janela (Porto Moniz), não resistiram às ondas do Paul do Mar (Calheta) e visitaram a zona velha do Funchal. Na capital da Região Autónoma da Madeira, as atletas ficaram maravilhadas com a quantidade de produtos frescos, as cores das flores e a variedade de frutos que enchiam o Mercado do Lavrador. Todas provaram tipos de banana que nem sequer sabiam que existiam e falar com os autóctones, que não hesitaram em oferecer-lhes pedaços de fruta e falar sobre o povo madeirense.

Num dos dias do evento, a comitiva deu um passeio de barco para ver cetáceos. Os animais não foram nossos amigos e mantiveram-se à distância, mas isso fez com que a maioria das atletas decidisse dar um mergulho em alto mar, com a cidade do Funchal ao fundo. “Que água é esta, meu Deus?! Nunca vi um mar com uma cor assim, é maravilhosa!”, dizia Neymara Carvalho, que se mostrou encantada com a Madeira: “É uma ilha lindíssima e as ondas são maravilhosas”. Ou, como nos ensinaram as atletas brasileiras, “iradíssimas [o que em português seria o equivalente a ‘brutais’]”!

A iniciativa terminou com o campeonato European Tour of Bodyboard. Na categoria das mais novas, a vencedora foi a portuguesa Leonor Monteiro, enquanto na categoria principal o grande troféu foi para Neymara Carvalho, que provou que a idade é apenas um número – tem 40 anos e só voltou a competir há dois. 

Com o fecho desta iniciativa, a organizadora Carina Carvalho diz que a missão foi cumprida: “O feedback geral foi bastante positivo com um BodyBoard Girls Experience novamente recheado de ondas de elevada qualidade em vários spots da Madeira, de norte a sul, com atividades turísticas e de lazer que despoletaram boas vibrações a todas as participantes e que mostram que a ilha tem potencial turístico e desportivo neste segmento. Tivemos uma maior afluência de participantes oriundas de várias partes do mundo, o que tem levado a uma maior projeção internacional do evento e da ilha da Madeira, despertando cada vez mais o interesse e a vontade de outras atletas em participar no próximo evento”.

Para o ano, as expectativas estão ainda mais elevadas: depois de terem recebido as maiores atletas do mundo e de terem assistido a excelentes provas, os madeirenses e adeptos do bodyboard anseiam por saber o que trará a quarta edição desta iniciativa. Esperam-se ondas tão boas e nomes tão sonantes quanto os deste ano. E, segundo a organizadora do evento, pode ser até que o BodyBoard Girls Experience se atire às ondas de outras bandas: “acredito ter criado aqui um conceito único nas bodyboard trips a nível mundial, ambiciono poder fazer um BBGE noutra parte do mundo, num futuro bastante próximo”.

Tudo para dentro de água. Antes de terminarmos esta reportagem, regressamos rapidamente ao quarto dia do evento e a um dos seus pontos altos: a aula de bodyboard dada pelas campeãs. Cerca de 20 jovens estiveram na praia de Alagoa Porto da Cruz a aprender com as melhores como apanhar uma onda e fazer um 360 (manobra em que o atleta dá uma volta de 360 graus na onda). 

Quando perguntaram aos adolescentes se sabiam da existência de escolas de bodyboard na ilha, apenas um ou dois levantaram o braço, provando o seu desconhecimento.

É claro que as atletas também fizeram questão de levar a jornalista para dentro de água e ensinar-lhe alguns truques. E há algo melhor do que experimentar um desporto pela primeira vez com a ajuda da pentacampeã do mundo? Temos medo de fazer má figura, mas sabemos que estamos a aprender com as melhores, num mar diferente de todos aqueles em que já mergulhámos. Uma sensação que ficará para sempre na memória destas crianças… E na nossa também. Obrigada, meninas!