GRÁTIS!

Trabalho, para quem acabou de sair da faculdade, significa hoje em dia qualquer coisa como Santo Graal. Todos sabemos que existe, há lendas maravilhosas sobre Ele, relatos e histórias de encantar, mapas mais ou menos codificados sobre onde será o seu paradeiro, já muita gente arriscou a vida para o conseguir, mas o certo é…

Trabalho, onde andas tu, afinal?

Dispensa, então, apresentações, aquele que é um dos flagelos da minha geração: a escassez de trabalho. Ou a dificuldade em encontrá-lo.

As ofertas existentes são desajustadas às competências de quem estudou, os ordenados em quase todas as áreas não motivam os letrados a mudar de rumo e, nesta altura em que todos sabemos do que é que gostamos, é evidente que não queremos não exercer a nossa cena, seja ela qual for. Queremos viver a plenitude da nossa entrada no mercado de trabalho, com tudo aquilo a que temos direito. 

Mas está difícil.

Os que decidiram fazer ouvidos de mercador ao conselho do nosso primeiro e ficar na pátria amada, vivem todos os dias a grande frustração de querer e não poder. Querer trabalhar e não poder, querer sair da casa dos pais e não poder, querer ir jantar fora e não poder, querer ter uma vida digna e não poder.

Neste tema é difícil não escolher palavras que desencadeiam processos de combustão espontânea, porque é com demasiada frequência que sei de mais alguma pessoa que arranjou trabalho. Sem ordenado. Pronto, vá, um ‘estágio’ não remunerado numa empresa pomposa, que pode perfeitamente pagar um ordenado, mas que não o faz, porque há quem esteja disponível para trabalhar grátis. 

Esse ‘estágio’, como é normalmente denominado, é apresentado ao prestador de serviços como a oitava maravilha do mundo, porque pode depois haver a hipótese de ‘ficar’ na empresa. Esquecem-se normalmente de dizer que esse ‘ficar’ é com um ordenado de seiscentos euros a recibo verde e com um horário de, pelo menos, dez horas. E é esta luz ao fundo do túnel que tem animado tanta gente inerte e levado outra tanta a digladear-se por estas ofertas-maçãs-envenenadas. 

Estes postos de trabalho voluntário são nefastos para todas as classes profissionais, porque desvalorizam muito largamente as competências de cada indivíduo, as suas mais-valias e ainda os seus conhecimentos; porque ao ceder estas mestrias para uma empresa, o prestador de serviços não está a contribuir para nenhuma causa, a não serem os cofrinhos de quem se senta na melhor cadeira do escritório inteiro. 

O que a maior parte dos desempregados anda a fazer é a pior versão jamais imaginada de voluntariado: não tem interesse social, não reverte a favor da comunidade nem do trabalho, não prestigia e não contribui para um mundo mais justo ou solidário. 

Qualquer uma das partes envolvidas nesta ideia distorcida de voluntariado devia reflectir sobre o impacto negativo da sua acção no mercado de trabalho. Além de viabilizar a ideia de que uma empresa pode obter serviços específicos de forma gratuita, esta espécie de voluntariado destrói a relação mercantil entre os trabalhadores e as entidades patronais.

Destrói também os valores justos que devem ser pagos pela prestação de determinados produtos e empobrece a lógica de oferta e procura. Desvaloriza o trabalho especializado e rebenta com o que tanto se investiu (os ‘voluntários’ e as suas famílias) na aquisição de competências, pelo simples facto de não as valorizar. Desregula o valor real de cada actividade, normalmente para algo inferior. E isso é grave. 

O trabalho, seja ele de que natureza for, deve ser remunerado, porque o dinheiro, na sociedade de consumo, liberta. 
Por muito que as experiências em todo o tipo de empresas sejam enriquecedoras para o indivíduo, não o conduzem numa carreira de sucesso e distorcem, não só a noção de trabalho, mas também a própria noção de solidariedade.

Nenhuma empresa faz o favor de empregar um funcionário, porque a função de uma empresa é precisamente a de agilizar bens e serviços num mercado económico. E para a sanidade mental, sim, façamos voluntariado, mas por favor, em associações sem fins lucrativos. l

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