Gritos e assobios

Multiplicam-se os assobios, os insultos, as manifestações hostis contra os políticos.

cavaco silva já teve de cancelar uma visita e ouviu apupos em público, passos coelho foi insultado no porto há uma semana (depois de semanas antes ter dialogado com manifestantes que o invectivavam), miguel relvas já escutou assobiadelas, miguel macedo foi alvo de uma manifestação de agentes da gnr que lhe chamavam «gatuno».

ora estas situações, ninguém duvide, vão multiplicar-se.

estranho era, como tenho escrito, que não houvesse reacções à austeridade: seria caso para desconfiar.

ninguém gosta de ir de cavalo para burro, pelo que há um ambiente propício aos protestos.

há pessoas que não querem saber de explicações nem de argumentos – e que só sabem que hoje estão pior do que estavam há um ano.

e sentem-se revoltadas.

estou convencido, entretanto, de que as políticas chamadas ‘impopulares’ têm uma base alargada de apoio – sobretudo quando o país percebe que a situação é drástica e se torna necessário reagir.

não fazer nada é que deixaria muitas pessoas receosas.

por isso admito que, quando se fizer um balanço do governo de passos coelho, a maioria dos portugueses aprovará as medidas que ele está a tomar.

e que deve continuar a tomar, sem desfalecimentos: um amolecimento da acção política é que seria fatal, porque estimularia aqueles que esperam um sinal de fraqueza do governo para redobrarem os ataques.

guterres sabe bem o que lhe custou o gosto pelo compromisso.

mas não nos iludamos: embora a maioria do país possa compreender a política do governo e admitir que não há alternativa, está a criar-se um caldo de cultura onde os pescadores de águas turvas podem tentar a sua sorte.

os manifestantes da antónio arroio eram uma minoria; os que apuparam passos eram uma minoria; os que receberam relvas aos gritos eram uma minoria; os guardas que insultaram o ministro eram uma minoria.

como minoria eram os que se envolveram em incidentes com a polícia no dia da greve geral e os que atiraram cadeiras à polícia no chiado, intitulando-se membros de uma organização chamada plataforma 15 de outubro.

mas essas minorias actuam porque o caldo de cultura existe.

e se hoje são relativamente pacíficas, amanhã podem tornar-se violentas.

não faltarão organizações, até partidos legalizados, que apostarão nas escaramuças, até para as poderem explorar mediaticamente – como aconteceu com aquela imagem, que correu mundo, de um polícia de bastão em riste investindo contra uma fotógrafa da france presse.

a maioria do país pode apoiar a acção do governo (como aliás se vê nas sondagens); mas bastam umas dezenas de pessoas revoltadas ou de militantes radicais para provocar distúrbios graves, a que os media darão depois a devida divulgação.

sendo assim, é bom que a polícia se prepare – e que os políticos se acautelem.

é bom que nunca mais façam o que passos coelho fez naquela manifestação hostil em que foi ao encontro dos manifestantes.

um político pode fazer isso uma vez, de surpresa.

mas os políticos não podem fazer isso muitas vezes.

é que, se começarem por sistema a dialogar com os manifestantes, será muito fácil a um desordeiro, a um membro de uma organização terrorista, a um louco ou a um desesperado meter-se no meio de uma manifestação e atacar o bem-intencionado político.

todos temos na cabeça a ideia de que portugal é um país de ‘brandos costumes’ – e que jamais haverá um problema desses.

mas atenção: o século xx português ficou recheado de atentados políticos.

o rei d. carlos e o príncipe herdeiro foram assassinados no terreiro do paço; o indigitado primeiro-ministro joão chagas foi alvejado a tiro num comboio do porto para lisboa; o dirigente republicano miguel bombarda foi morto por um doente; outro primeiro-ministro, antónio granjo, foi assassinado no arsenal da marinha; o presidente sidónio pais foi baleado na estação do rossio; salazar foi alvo de um atentado à bomba em lisboa.

os políticos que se acautelem.

os tempos não estão para aventuras e o país não precisa de mártires.

evitar as situações de risco é uma mera questão de bom senso.

p.s. – na semana passada, o sol publicou uma entrevista com o ministro das finanças onde este dizia que não prevê mais austeridade este ano. esta semana, a agência fitch disse que portugal deve precisar de mais austeridade para cumprir o défice. que eu visse, a afirmação de vítor gaspar não teve grande eco nos media. a previsão da fitch teve destaque em todas as rádios e tvs. definitivamente, os jornalistas preferem as más notícias.