Investimento

Uma pessoa dorme em sobressalto, custa a ceder ao sono, levanta-se com um nó no estômago, carrega uma angústia insuportável durante dias inteiros.

mas vive também felicidades alheias, sente que se faz justiça, carrega uma imensa boa disposição para o seu dia-a-dia e passeia-se pelo mundo mais contente com esse mesmo mundo. e, no entanto, tudo isto é ficção.

a escrita cada vez mais fina e aguçada das séries televisivas, aliada ao facto de hoje a prática mais comum ser a de um fio narrativo que não volta ao zero no início de cada episódio, faz com que se viva alguma da melhor programação que ocupa o pequeno ecrã com uma intensidade que se diria dedicada apenas à mais pura realidade. a implicação emocional ao acompanharmos, muitas vezes durante anos, a história das personagens – com toda a sorte de dramas e motivos de celebração – produz uma reverberação perturbadora nas nossas vidas. para todos aqueles que crescemos a achar desproporcionada a forma como os tios e as avós se desgastavam com as peripécias maniqueístas e previsíveis das telenovelas, é uma lição de como nunca podemos saber aquilo que nos vai bater à porta.

a culpa, chamemos-lhe assim, é de gente como alan ball (autor de sete palmos de terra) ou matthew weiner (criador de mad men), responsáveis por uma ‘humanização’ das séries, conferindo uma tal espessura às suas personagens que estas evadem-se por completo dos limites do entretenimento e passam quase a habitar o mesmo mundo que nós – lembram-se de a rosa púrpura do cairo? daí que, por muito que saibamos que podemos sempre voltar a ver os episódios todos de enfiada, o correr do pano em produções deste calibre deixe sempre uma sensação de perda irrecuperável. é a moeda em que se paga o investimento emocional.