Joe Barboza, o português que ‘queria aterrorizar a própria máfia’

Entrevista a Casey Sherman, autor do livro ‘Animal’. Assim era conhecido Joe Barboza, o gangster luso-americano que sonhava entrar para a máfia siciliana.

Boston, nos anos 60, foi o território de caça de muitos predadores, mas só um ficou conhecido como ‘o Animal’. Joe Barboza, um gangster luso-americano que sonhava entrar para a máfia siciliana, ganhou nome como pugilista, corretor de apostas ilegais e assassino a soldo, sem medo de nada nem ninguém. O grupo liderado por Barboza controlava Chelsea, do outro lado do rio Mystic, navegando entre a complexa teia de alianças entre gangues irlandeses e italianos de Boston – que romperia em 1961, quando a mulher do membro de um gangue irlandês foi apalpada pelo irmão do líder doutro. Durante anos houve guerra aberta na cidade e Barboza esteve mesmo no meio da refrega – pedindo, claro, autorização ao capo da máfia siciliana de Nova Inglaterra, Raymond Patriarca, antes dos homicídios mais problemáticos. Quem diria que este português, tão fascinado com a Cosa Nostra e o seu código de silêncio, a omertà, se tornaria informador do FBI, um dos primeiros gangsters a testemunhar contra a máfia e a inaugurar o programa de proteção de testemunhas?

É que os homens de Patriarca «perceberam que não podiam controlar Barboza. Ao contrário do resto das pessoas, ele era demasiado perigoso. Decidiram incriminá-lo», explica Casey Sherman, autor do livro ‘Animal’. Depois de ser traído, Barboza, na sua cabeça, não se estava a ‘chibar’. «Queria derrubar os seus inimigos, pô-los atrás dos muros da prisão com ele, onde podia exercer vingança com as suas próprias mãos», garante o autor. Nem que tivesse de fazer falsos testemunhos contra Patriarca e os seus tenentes, como lhe pediu o FBI. «É o mais assustador desta história toda», considera Sherman, cujo livro descreve a cumplicidade da agência de J. Edgar Hoover com homicídios e sequestros, para proteger os seus preciosos informadores. «São eles os verdadeiros vilões», garante Sherman. Nascido e criado em Boston, a tia de Sherman foi uma das vítimas do Estrangulador de Boston, que aterrorizou a cidade na mesma altura em que Barboza combatia nas ruas. O trauma familiar inspirou-o a tornar-se jornalista de investigação e deu-lhe repulsa pela romantização de gangsters e serial killers. «Eu li os ficheiros dos casos, vi as fotos das cenas dos crimes, estes são crimes brutais. É isso que o público não compreende: não é um filme, não é um livro, é a vida real».

 

É curioso o quão desconhecida é a história de Joe Barboza, pelo menos entre o público português – ninguém com quem falei sobre assunto a conhecia.

Joe Barboza é um dos mais importantes gangsters na história americana. Obviamente, isso tem a ver com o papel que teve com o FBI, ao inverter a posição da máfia siciliana, na década de 1960. Barboza foi o primeiro gangster a cooperar com o Governo federal para derrubar a máfia italiana. O sonho dele era ser o primeiro português a entrar na Cosa Nostra, a sociedade secreta siciliana. Pensava que se fosse o melhor mafioso e assassino que tinham o deixariam entrar. Obviamente, eles não pensaram o mesmo, porque são muito fechada. Ele sentiu-se muito traído por isso, o que acabaria por levar à sua cooperação com FBI, o que derrubou figuras muito importantes da máfia, e, em última instância, levou ao seu assassinato também.

Por que é que os portugueses, ao contrário de outros grupos como os irlandeses, italianos ou judeus, não formaram as suas próprias organizações e redes criminosas?

Os portugueses não eram tão organizados como os outros imigrantes. Na sua maioria, os portugueses eram conhecidos por levarem vidas muito honestas e trabalhadoras quando chegavam à América. New Bedford, onde Joe Barboza nasceu e foi criado, tem uma comunidade portuguesa enorme. Muitos portugueses trabalham na indústria pesqueira – historicamente, muitos vieram nos navios baleeiros, ficaram e criaram as suas famílias aqui, em Nova Inglaterra -, mas Joe Barboza não queria ser pescador. O estilo de vida gangster intrigava-o, era atraído pelas roupas vistosas, carros ostentosos e mulheres bonitas. Era nesse mundo que ele aspirava entrar e foi o que fez. Aliás, o diretor do FBI, J. Edgar Hoover, chegou a chamá-lo ‘o homem mais mortífero na América’ – durante um certo período, certamente foi.

Enquanto Joe Barboza crescia, era comum a discriminação dos católicos e dos imigrantes. No livro menciona que Barboza, em criança, era gozado pela sua cabeça grande, braços longos e pernas curtas, chamavam-lhe ‘amacacado’. Vê uma conotação xenófoba nisso?

Claro, obviamente ele sofreu de discriminação, imagino que tenha sido desprezado por outros grupos étnicos. Quando se vive num caldeirão cultural como os Estados Unidos, muitas etnias mantêm-se unidas como comunidade, que ou aspiram a voos mais altos ou desprezam outros grupos. Joe Barboza foi discriminado, mas também humilhado pelo seu tipo corporal. Quando se goza assim com alguém, muitas vezes essa pessoa torna-se forte fisicamente e exerce a sua vingança. Barboza usou isso como combustível para se tornar assassino da máfia.

Como a maioria dos criminosos violentos, Barboza vem de um contexto de abusos físicos em casa. Quanto de Joe, o assassino, veio de Joe, a vítima?

Isso foi uma parte enorme de quem ele se tornou! Barboza nasceu no meio de violência. Uma das primeiras memórias do irmão mais velho dele, Donald, é o pai deles a arrancar os dentes à mãe à chapada, quando esta tinha nos braços Joe, ainda bebé. Quando nasces num contexto assim tendes a ser violento. Mas Joe era uma espécie de Dr. Jekyll e Mr.. Hyde, pois apesar de conseguir ser incrivelmente violento e frio, também tinha uma veia muito cavalheiresca. Tendia a proteger mulheres, talvez devido ao que a mãe passou às mãos do pai. Joe era um tipo mau, que fez coisas terríveis a gente má, mas também era protegia quem não se conseguia proteger a si mesmo.

Diz que Barboza sempre foi fascinado pela máfia italiana – falou nas roupas caras, carros, mulheres… O fascínio era puramente material ou também envolvia a mística da Cosa Nostra, a irmandade, a omertà?

O fascínio era material até certo ponto, mas creio que Joe acreditava na irmandade que representava a Cosa Nostra, o código de silêncio… Ele levava isso muito a sério, não queria ser um ‘chibo’, chibar-se dos seus cúmplices e amigos na máfia. Nunca o teria feito se não tivesse sido traído pelas mesmas pessoas a quem entregou a sua lealdade. Estes homens perceberam que não podiam controlar Barboza, ao contrário do resto das pessoas, porque ele era demasiado perigoso, por isso decidiram incriminá-lo de maneira a que fosse preso. Mal ele percebeu que foi traído e dispôs-se a trair os seus novos inimigos também. Na cabeça de Barboza, ele não se estava a ‘chibar’. Queria derrubar os seus inimigos, pô-los atrás dos muros da prisão com ele, onde podia exercer vingança com as suas próprias mãos, matá-los mano a mano. À volta de Barboza, como de tantos outros mafiosos, há uma certa aura de agressividade de ‘machão’. No livro menciona que Barboza propôs a um chefe da máfia [Raymond Patriarca] matar a mãe de um rival, algo tabu na altura. Escreveu que não sabia se Joe estava disposto a isso, ou se o sugeriu para mostrar que era louco e perigoso, para que o deixassem em paz. Quanto da carreira de Joe foi construída para provar que era ‘machão’ e louco o suficiente? Muita da carreira de Joe é construída à volta disso, ele queria aterrorizar a própria máfia. Chegou a morder a bochecha de um ‘homem-feito’, um soldado da máfia siciliana, à frente de 20 ou 30 outros mafiosos. Cuspiu uma bocado da bochecha no balcão do bar, de uma forma tão macabra e intensa que as pessoas pensavam que era louco. Como tal, estavam muito menos dispostas a enfrentá-lo: nunca se quer puxar de uma arma contra um louco, simplesmente porque nunca se sabe como este vai reagir. Creio que foi por isso que a máfia tentou pô-lo na prisão, em vez de o tentarem matar eles mesmos. Sabiam que Barboza era tão mortífero que levaria consigo sete ou oito dos melhores tipos deles, por isso preferiram tentar mantê-lo enjaulado. Em última instância, sentiram que tinham mesmo de o matar, e foi o que fizeram, em 1976.

Joe não foi apenas um assassino contratado, também geria uma pequena organização.

Ele não era um chefe, tinha um bando com uns seis ou sete tipos, que controlavam um bairro em Boston chamado Chelsea. Mas tinha de trabalhar para os chefes mais poderosos da máfia. Certamente era alguém que mantinha controlo sobre o seu bairro, mas não tinha uma vasta organização criminosa nos anos 60. Contudo, depois de sair do programa proteção de testemunhas, em finais dos anos 60, inícios dos anos 70, olhou para o panorama do crime organizado em Boston e contemplou regressar e tornar-se ele próprio o chefe. Não acreditava que mais ninguém tivesse a tenacidade, brutalidade e a esperteza para isso, mas acabou por ser morto.

Talvez o grande impulso para a máfia tenha sido a Lei Seca [1920-1933]. Na altura de Joe, a grande fonte de receitas da máfia ainda eram esquemas de extorsão ou começava a ser o tráfico de droga?

Diria que a grande fonte de receitas na altura já era a droga, estavam a entrar fortemente no mercado desde o início dos anos 60. Mas Barboza cruzou a ponte até ao ponto em que muito dinheiro vinha do jogo ilegal, agiotagem… Creio que essas eram as maiores fontes de receita para ele, mas claro que a máfia também tomou controlo do tráfico de droga.

Ao longo da sua carreira, Barboza foi apanhado no meio das famosas guerras da máfia irlandesa. A partir da sua pesquisa, consegue imaginar como era viver em Boston nesse período?

Certamente era muito, muito perigoso. A guerra da máfia em que Joe esteve envolvido, nos anos 60, foi a mais mortífera na história americana. 57 homens foram mortos só no primeiro ano, e Barboza foi implicado em boa parte desses homicídios. Imagine ser uma agente da polícia na altura, com guerra aberta nas ruas. Foram tempos incrivelmente caóticos. Mas as pessoas inocentes que viviam em Boston não tinham qualquer medo, porque os mafiosos andavam atrás uns dos outros, canibalizando-se, não cometendo atrocidades contra cidadãos comuns. Diz-se que as páginas de obituário nos jornais de Boston eram muito populares, porque tinham todas as vítimas dos gangsters. Chamavam-lhe as páginas de desporto irlandês [risos], porque estavam lá tantos gangsters irlandeses. E Barboza foi a ponta de lança para muitos destes ataques.

Ou seja, ao mesmo tempo que a guerra no Vietname escalava, os EUA tinham literalmente uma guerra no seu quintal, envolvendo muitos veteranos da Segunda Guerra Mundial e da Coreia.

Isso é uma questão muito interessante. Estes homens sabiam perfeitamente como se comportar numa situação de combate, como manejar metralhadoras, qualquer arma que lhes pusessem à frente. Eram tempos assustadores, lembre-se que na altura também havia o caso do estrangulador de Boston a pairar sobre a cidade. 11 mulheres foram mortas no período de dois anos e meio, por vários assassinos. Aliás, o meu primeiro livro é sobre isso, porque a minha tia foi a última das vítimas. Pode imaginar quão sobrecarregada estava a polícia de Boston, tentando perseguir estes assassinos, enquanto tentavam impedir a guerra entre gangues de explodir.

Imagino que colocassem menos esforços na guerra da máfia, comparativamente ao estrangulador de Boston, que visava cidadãos comuns.

Sim, claro, os mafiosos matavam-se uns aos outros. Mas, para mim, o mais assustador desta história toda é o papel que o FBI teve. Isso foi o que mais me surpreendeu. Sabemos a mentalidade da máfia e dos gangues: são tipos maus que fazem coisas más. Mas os agentes FBI respondem a um juramento para proteger e honrar a lei, e não foi isso que fizeram. Foram cúmplices do crime organizado, tanto como os próprios membros foram. Para mim, são eles os verdadeiros vilões.

No livro menciona que o FBI de J. Edgar Hoover participou em muitos homicídios, falsos testemunhos, escutas ilegais… Estas práticas foram aperfeiçoadas na luta contra a máfia e usadas contra grupos políticos, como os Black Panthers?

Oh, certamente. No caso dos Black Panthers incriminaram muitos dos seus soldados e membros, efetuaram detenções ilegais. E no final dos anos 60 dois membros dos Black Panthers [Fred Hampton e Mark Clark] foram abatidos na sua casa, num claro assassinato cometido pelo Governo dos EUA. O FBI travava uma guerra ilegal contra a Cosa Nostra, como travava uma guerra ilegal contra os Black Panthers e outros grupos políticos. Acabei agora um livro sobre John Lennon, e fui surpreendido pelos esforços do FBI para o deportar, como sendo um ‘inimigo do Estado’. O FBI era incrivelmente corrupto nos anos 60, 70, e 80. Creio que – espero que – estejam a mudar os seus métodos agora, porque gosto de pensar no FBI, pelo menos no seu núcleo, como uma organização honrosa, por oposição ao que era na altura.

Todas estas práticas criaram uma grande suspeita quanto ao FBI. Qual foi o ponto de viragem para o público se aperceber do que estava a acontecer?

Houve várias audiências em Washington, no final dos anos 90, e foi aí que todos estes segredos vieram à luz do dia pela primeira vez. A relação entre Barboza e o FBI foi exposta – Barboza ajudou a pôr cinco homens na prisão por um crime que não cometeram. Não que fossem pessoas inocentes, de maneira alguma. Eram todos, na sua maioria, gangsters, mas acontecia que não cometeram o crime de que eram acusados, porque foi Barboza que o cometeu. Foi uma maneira de os pôr atrás das grades, e muitos foram mortos ou morreram na prisão, levando à maior indemnização financeira paga na história do departamento de Justiça dos EUA. Esse é um dos motivos pelo qual Barboza é tão significativo. Quando todas estas mentiras foram expostas perante o Congresso, isso de facto abriu os olhos do público quanto à relação do FBI com o crime organizado. Também tivemos o caso de outro mafioso de Boston chamado Whitey Bulger, um chefe da máfia irlandesa que trabalhou com o FBI durante anos. A história tornou-se num filme chamado ‘Black Mass – Jogo Sujo’. Vi-o e fiquei a pensar que a relação entre o FBI e o crime organizado começou e acabou com Whitey Bulger, mas, de facto, ele foi uma nota de rodapé numa história que começa com Joe Barboza, vinte ou trinta anos antes. Foi isso que me intrigou para escrever este livro. Depois de Barboza houve muitos que começaram a virar as suas costas à máfia. A Cosa Nostra deixou de ser o que era, e isso começou com o testemunho dele. Os chefes da máfia de hoje têm menos capacidade de ser presos 30 ou 40 anos e ainda assim proteger os seus amigos, estão muito mais dispostos a denunciá-los.

É interessante que tantos gangsters estivessem dispostos a seguir o rumo de Barboza, dado o tratamento que recebeu pelo FBI, como sendo uma ferramenta descartável.

Mas os gangsters que seguiam o rumo de Joe não se apercebiam de quão mau o FBI era na altura. Estou convencido de que o FBI alertou a máfia de Boston para a localização de Barboza em São Francisco, em 1966, levando em ultima instância ao seu homicídio. Foram cúmplices disso.

Questiono-me como tudo isto, a guerra à máfia e entre máfias, a escalada da guerra do Vietname, o crescimento do movimento contra a guerra, se conjugavam na psique americana na altura.

Obviamente o ponto focal do final dos anos 60, início dos anos 70, era acabar com a guerra do Vietname, esse é um dos motivos para que a máfia passasse de certa forma por baixo do radar. Desfrutavam do facto de a atenção estar nos soldados no Vietname em detrimento do que acontecia nas ruas norte-americanas. Foi aí que toda a cultura das drogas na América rebentou, e a máfia conseguiu controlar muito disso. Depois a Cosa Nostra foi romantizada pelo filme ‘O Padrinho’. Foi nessa altura, pela primeira vez, que as pessoas compreenderam o que esta organização era.

Desde então o fascínio com a Cosa Nostra só cresceu. Como vê este fenómeno? Até os próprios mafiosos parecem de certa forma ter-se recriado à imagem de todos estes filmes e livros.

Tornaram-se em heróis populares, mas aqui na América isso já vem dos tempos de Al Capone. Foi um dos chefes da máfia mais brutais na história americana, mas as pessoas olham para ele de uma forma romantizada. Foi o mesmo com John Gotti nos 80, em Nova Iorque, com Whitey Bulger em Boston, nos anos 90… O público sempre foi fascinado pela parte mais negra da nossa sociedade.Imagino que o seu passado familiar, o caso da sua tia, não o faça ver com bons olhos este fascínio.Não gosto disso, de maneira nenhuma. Uma coisa é o fascínio, mas há quase uma atração por estes gangsters homicidas e serial killers que é muito repulsiva para mim. Li os ficheiros dos casos, vi as fotos das cenas dos crimes, estes são crimes brutais. É isso que o público não compreende: não é um filme, não é um livro, é a vida real. O que me moveu na minha carreira originalmente foi pessoal, como a minha tia foi vítima do Estrangulador de Boston, decidi investigar o caso. Francamente, não leio muitos livros sobre crimes reais e não vejo muitos filmes do género. Quando escrevo um livro, sobre as bombas na maratona de Boston, por exemplo, estou a escrever da perspetiva dos sobreviventes, das vítimas mortas de maneira horrível e daqueles que se ergueram da tragédia e fizeram grandes coisas com as suas vidas.

Imagino que crescer com a tragédia da sua tia tenha sido complicado, e contribuído para essa perspetiva.

Foi muito difícil. Nasci em 1969 e ela foi morta 1964, mas crescendo num lar católico irlandês, quando algo assim acontece, está presente o tempo todo. E não saber fratura de facto uma família. Quando falamos das vítimas de crimes, não são apenas as pessoas mortas ou magoadas. Falamos dos familiares, os amigos. Tantas pessoas sentiram uma perda enorme, não apenas com o homicídio da minha tia Mary, mas com todas as vítimas do Estrangulador de Boston. É assim que tento olhar para cada projeto em que me envolvo.

No caso do estrangulador de Boston, a sua investigação convenceu-o de que o homem apontado como o serial killer [Albert DeSalvo] não foi o único assassino, e nem sequer foi responsável pela morta da sua tia.

Sim, e ele nem nunca foi condenado por nenhum dos crimes, nem sequer condenado com nenhum dos homicídios – foi isso que o público americano nunca soube. A realidade do caso do Estrangulador é que houve pelo menos seis assassinos a cometer estes homicídios de mulheres. E estes assassinos não estavam a trabalhar juntos: se odiasses uma mulher no início dos anos 60, basicamente tinhas um modelo para como cometer um homicídio do Estrangulador de Boston. A polícia era mais inteligente, sabia que não havia apenas um homem lá fora a cometer estes crimes, mas eles foram todos ligados pelos media americanos da altura. Vendes mais jornais se o Jack o Estripador estiver nas ruas, em vez de seis homens a imitar os crimes. O mundo dos jornais queria injetar terror na população, e foi o que fizeram.

No caso da sua tia Mary, quem crê ter estado por trás do crime?

Estou convencido de que foi alguém que ela conhecia, um jovem que era o principal suspeito num homicídio em 1964. Falhou em testes com detetores de mentiras e as provas colocavam-no na cena do crime. Não creio que tenha sido um homicídio passional, creio que ele invadiu o apartamento à procura de uma das colegas de casa da minha tia, e ela deparou-se com ele. Houve uma luta violenta e ele matou-a. Depois, decorou a cena do crime para parecer que tinha sido o Estrangulador de Boston. Fez as marcas de estrangulamento no pescoço, enfiou um cabo de vassoura na área vaginal dela e deixou um cartaz de Feliz Ano Novo perto do pé esquerdo.

Não ter um desfecho, alguém condenado, deve ter dificultado ainda mais lidar com um crime tão horrendo.

Essa é a questão, é frustrante não ter respostas. A minha mãe ainda está viva, e perdeu a irmã quando tinha 17 anos – a minha tia tinha apenas 19, era uma miúda. Foram tempos muito conturbados, não apenas para a minha família, mas para toda a gente em Nova Inglaterra e no resto dos Estados Unidos, porque foi o primeiro chamado caso de um serial killer na história americana, o primeiro a capturar atenção mundial desde que Jack o Estripador perseguiu as mulheres da zona este de Londres, nos anos 1880. O incrível é que aconteceu na altura em que Joe Barboza andava pelas ruas a cometer crimes contra outros mafiosos. Foram tempos loucos em Boston.