Joel Dicker, o autor que veio do frio

Toda a gente fala do livro. A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert, do jovem suíço quase desconhecido Joel Dicker vendeu 750 mil exemplares em França, foi finalista do Prémio Goncourt (que não ganhou por um voto), venceu o Goncourt des Lycées e o Grande Prémio do Romance da Academia Francesa, empurrou finalmente as Sombras…

o que tem este romance de 700 páginas de tão especial para causar um furor editorial como há muito não se via com um romance de língua francesa? um amor nabokoviano proibido e um homicídio por resolver parecem ditar o sucesso, aliados a uma belíssima escrita, que deixa o leitor em suspenso, ansiando unir as pontas desta história suíça passada em solo americano. quando o jovem escritor americano marcus goldman, em busca de inspiração para o seu segundo romance depois do sucesso estrondoso do primeiro, abandona nova iorque em direcção a nova inglaterra para junto do seu mentor, o célebre escritor harry quebert, descobre que este teve, aos 34 anos, uma história de amor com uma rapariga de 15. meses depois, harry telefona-lhe da prisão: o esqueleto da sua jovem amada, desaparecida há 33 anos, foi encontrado enterrado no jardim de sua casa. harry enfrenta uma acusação de rapto e homicídio, da qual se diz inocente. e marcus vai para nova inglaterra, em fuga do prazo que se aproxima para a entrega de um novo manuscrito que não consegue escrever, no intuito de provar a inocência de harry, começando a investigar o passado que lhe dará resposta à pergunta que ecoa pela cidade: quem matou nola kellergen?

vai ser nessa investigação, uma mistura de twin peaks com lolita, que o leitor embarca. aqui se narra uma história de amor, uma de amizade, outra de homicídio, descobrem-se os mais negros segredos familiares, o melhor e o pior de cada um de nós, sempre olhando o ofício de escritor, com um livro dentro de um livro, que mostram uma américa prestes a eleger obama, a tentar recuperar do 11 de setembro e da presidência de bush. uma américa que tenta recuperar a sensação de segurança, mesmo sabendo que as crianças nunca mais brincarão na rua da mesma forma.

“começou por ser uma história sobre a relação entre um escritor e o seu mentor. depois surgiu nola e a história de amor. depois matei-a. há muitas camadas, fui acrescentando uma e outra e outra”, disse o escritor ao sol. sempre sem destino final. quem matou nola kellergan? nem joel sabia a resposta.

a verdade sobre dicker

quando aos 25 anos joel dicker, assistente no parlamento suíço, se lançou na escrita deste seu sexto romance, fê-lo como uma última tentativa de alcançar o sucesso. dos cinco já escritos, um tinha tido uma edição restrita, os outros tinham sido rejeitados pelos editores. numas férias na américa começou a esboçar este ‘derradeiro’ esforço. quando acabou tinha 700 páginas. e achou que o que lhe sobrava em páginas faltava em hipótese de conseguir leitores. “quando acabei de o escrever comecei a culpar-me: ‘por que escrevi um livro tão longo? quem o vai querer ler? ninguém!’”. enganou-se. despertou a atenção de um editor suíço que mostrou o manuscrito a um editor francês. os dois decidiram editá-lo conjuntamente. o sucesso foi retumbante. e a pergunta estava na boca de todos: quem é joel dicker?

nascido em genebra, filho de um professor de inglês e de uma livreira, o gosto pelos livros surgiu desde cedo. aos 10 anos já escrevia um jornal que partilhava com quem conhecia. seguiram-se os contos, os romances surgiram aos 20. ao contrário do que se poderia pensar lendo o livro, sempre viveu na suíça. mas todos os anos passa férias em washington e no maine, onde tem família. pareceu-lhe lógico situar aí a acção do romance. ”por que não? quando comecei a escrever estava nos eua. não pensei muito sobre isso, comecei a história e continuei. conheço bem o país mas não sou um entendido. depois de o livro sair, fui convidado pela televisão suíça para ir comentar as eleições americanas. claro que não fui”. e, nascido em 1987, pertence a uma geração que mal conhece fronteiras. “para escritores da geração dos meus pais seria impossível escrever um livro como este. há 20 anos um autor suíço teria que escrever sobre a suíça. hoje tudo mudou. vim a lisboa sem mostrar o passaporte a ninguém. temos o mesmo dinheiro. incentiva-se os estudantes a fazer erasmus, depois a ter experiências profissionais noutros países. estamos sempre fora”.

e tal como há os que o comparam a stieg larsson ou a nabokov, também não falta quem teça relações entre a sua escrita e a de philip roth a a trama com a série de david lynch. o autor rejeita as comparações. não leu stieg larsson, não viu twin peaks. e não acha que este seja um policial. “é um romance sobre investigações. investigações sobre o próprio marcus, de como passou de um miúdo arrogante a um homem, sobre todas as personagens, quem são, porque fazem o que fazem, sobre quem matou nola. mas é sobretudo uma investigação sobre nós”. de resto, tal como há um tributo a roth, também o há a outros escritores. ”há um tributo a nabokov, a franzen, a roth, a romain gary, a marguerite duras. tal como marcus goldman presta tributo a harry quebert, também eu o presto aos autores que me trouxerem para a literatura”.

agora, à semelhança de marcus goldman, joel dicker enfrenta a necessidade de escrever um novo romance, com o peso do sucesso do anterior nos ombros. em frança, onde é já um sex symbol, não consegue passar despercebido, pedem-lhe autógrafos, querem conversar sobre o livro. agora, com a publicação no resto do mundo, está em tournée. há quem diga que deva continuar nos thrillers e pôr marcus goldman numa nova investigação. dicker não quer, contudo, adiantar o seu tema – ou o género. tudo pode mudar de um dia para o outro. “o grande prazer de escrever é a enorme liberdade que temos”. conseguirá, no próximo romance, surpreender e provar ser o escritor seguro que tantos viram nele? e será dicker o próximo ‘grande romancista suiço’?

rita.s.freire@sol.pt