Juristas contestam Sócrates

Na entrevista à TVI, há duas semanas, Sócrates garantiu que não foi confrontado com quaisquer “factos” ou “provas” que motivaram a sua detenção, durante o interrogatório conduzido pelo juiz Carlos Alexandre. Isso “seria um erro clamoroso que não creio ser possível ter acontecido”, diz ao SOL Rui Cardoso, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério…

Juristas contestam Sócrates

Isto porque “a lei obriga a que o juiz informe o arguido dos motivos da detenção, dos factos que lhe são imputados, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo, e dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser em causa a investigação, não dificultar a descoberta da verdade nem criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime”. 

Neste ponto, ressalva o advogado Miguel Matias, “poderá residir a dúvida/divergência sobre o que terá ou não sido comunicado” pelo juiz ao arguido. Ainda assim, diz ao SOL, “esse conhecimento pode legitimamente ser limitado sem que, com isso, se coloque em causa o princípio da 'igualdade de armas' ou se derroguem direitos de defesa do arguido”. 

Rui Cardoso lembra ainda que a lei impõe que todos aqueles elementos constem do despacho que aplica as medidas de coacção, sob pena de este ser considerado nulo. De resto, “se do auto de interrogatório e do despacho que aplicou as medidas de coacção não constassem esses factos, certamente que o Supremo Tribunal de Justiça teria considerado procedentes os habeas corpus [colocados por cidadãos] e ordenado a libertação imediata” do ex-primeiro-ministro.

Recorde-se que foi em 2003, na sequência do processo Casa Pia, que o Tribunal Constitucional (TC) declarou obrigatórios estes procedimentos legais. Vários arguidos recorreram então para os tribunais superiores queixando-se de que não sabiam por que estavam presos e que as acusações com que foram confrontados eram genéricas, sem dados. O juiz de instrução e os tribunais superiores recusaram, alegando que a lei não impunha que os arguidos dispusessem de mais informações e que isso até poria em causa a investigação. A questão chegou ao TC, que proferiu uma série de acórdãos favoráveis aos arguidos. A jurisprudência seria tida em conta na reforma penal de 2007. 

Guardas denunciam privilégios na prisão

Sócrates continua, entretanto, a ser acusado de receber um tratamento privilegiado na prisão.

Numa denúncia enviada à tutela, o Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional garante que o ex-líder do PS tem usado o gabinete do director-adjunto da cadeia para fazer vários telefonemas (cada recluso só pode usar as cabines telefónicas uma vez por dia, para um telefonema de cinco minutos). O presidente do sindicato, Jorge Alves, fala de “tratamento desigual” em relação aos restantes reclusos, incluindo no número de visitas, dias estabelecidos para as mesmas e até na permissão do uso de botas de cano alto.

A Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais desmentiu estas acusações, garantindo que Sócrates não utiliza telefones que não estejam disponíveis aos restantes reclusos, “tanto no quotidiano como em situações urgentes e excepcionais”. A Inspecção-geral dos Serviços da Justiça decidiu abrir inquérito.

paula.azevedo@sol.pt

sonia.graca@sol.pt