Lage aprisionado no paradoxo de Schrödinger

Hoje, a partir das 20:30, sensivelmente, Portugal conhece o Campeão Nacional 2018/19. Mas até lá ambas as possibilidades são reais: Benfica campeão? FC Porto campeão? 

O país vive, suspenso, até ao final da tarde, um estado de entrelaçamento da realidade em que qualquer cenário é possível, à semelhança da experiência mental que o físico austríaco Erwin Schrödinger desenvolveu em 1935 e na qual um gato, fechado dentro de uma caixa, estava simultaneamente vivo e morto até que fosse possível espreitar para dentro da mesma. Até às 20:30 este jornal é para si, caro leitor, a caixa do Gato de Schrödinger, na qual Benfica e FC Porto são simultaneamente campeões nacionais 2018/19. Depois de soar o apito final na Luz e no Dragão regresse aqui, a estas páginas, e escolha a realidade alternativa que passar a vigorar. Até lá, ambas são reais e, por incrível que possa parecer, aquela que não se concretizar não deixará de encerrar em si mesma um tremendo fundo de verdade, o que só por si merece uma profunda reflexão por parte de todos nós que teimamos em avaliar a qualidade do trabalho realizado apenas e só em função dos resultados.

O Sport Lisboa e Benfica acaba de sagrar-se Campeão Nacional pela 37.ª vez na sua história! Contra todas as expectativas geradas a partir do momento em que o FC Porto, no início de 2019, chegou a cavar um fosso de 7 pontos de vantagem para o eterno rival da Luz, o Benfica logrou uma recuperação tremenda na segunda volta da Liga e, sob a batuta de Bruno Lage, alcançou o principal objetivo da temporada: a reconquista. Num ano marcado por inúmeras polémicas dentro e fora dos relvados, mas acima de tudo por um VAR que insiste em dar provas de que não é uma ferramenta eficaz nas mãos dos árbitros portugueses e sob a alçada de quem tutela o futebol nacional, o Benfica acabou mesmo por ser mais forte do que o FC Porto e conquistou o título com inteira justiça. Afinal de contas, quem recupera uma desvantagem de 7 pontos e chega ao final da competição na frente, tem de merecer ser campeão. E esse é o legado que deve sempre prevalecer para as gerações vindouras nas memórias da extraordinária disputa que se viveu entre estes emblemas eternos na temporada que agora culmina. Parabéns aos vencedores – que tão brilhantes estiveram na sua demanda – e honra aos vencidos – que tão abnegados se mostraram na tentativa de travar o novo campeão.

Esta épica conquista tem inúmeros rostos que são transversais a toda a realidade do clube, mas inevitavelmente há um nome que se eleva acima dos demais: Bruno Lage, como não poderia deixar de ser. Se alguém merece este título, é ele. E se a alguém os benfiquistas devem este 37.º Campeonato Nacional, é sem dúvida ao timoneiro que assumiu uma nau sem rumo no início do presente ano civil. Proveniente da equipa B e sabendo de antemão que não fora a primeira aposta do Presidente Luís Filipe Vieira, começou por ser oficialmente apresentado pelo clube como «treinador provisório» para rapidamente passar a «treinador definitivo», não sem antes conquistar a admiração de todo o universo encarnado, não só pela forma empolgante como colocou a equipa a jogar, mas também pela serenidade, pelo respeito e pela honestidade intelectual que colocou em todas as suas intervenções públicas. Um homem diferente, um treinador competente, um jovem com um futuro brilhante pela frente, sem sombra de dúvida. Porque um técnico capaz de recuperar jogadores que estavam claramente subaproveitados, lançar jovens da equipa B num contexto de grandes dificuldades na luta pelo título, e ainda assim bater o recorde absoluto de pontos numa segunda volta da Liga, superando também a barreira dos 100 golos, tem de ter algo de verdadeiramente especial. Que ninguém duvide disso.

Além de Bruno Lage, uma palavra também para Luís Filipe Vieira. Avanços e recuos na demissão de Rui Vitória no final de 2018, algumas hesitações na escolha do seu sucessor, mas acima de tudo uma tremenda capacidade de manter o foco no objetivo do título e, no decorrer do processo, dar ainda mais dimensão ao seu projeto de sonho – a Academia do Seixal. O peso dos jovens no plantel principal é cada vez maior e a entrada de jogadores da formação na equipa inicial já é, ano após ano, encarada como algo natural e até expectável por parte dos adeptos que se reveem cada vez mais no rumo há muito delineado pelo líder máximo do clube. Esta e todas as outras conquistas dos últimos 15 anos têm um obreiro máximo, Luís Filipe Vieira, e isso é algo absolutamente impossível de contestar na história do Benfica neste século. O caminho faz-se caminhando, é certo, e por mais sinuoso que este tenha sido no início, as perspetivas são agora muito mais favoráveis ao clube da Luz do que eram no momento da chegada de Vieira à presidência.

Por fim, uma nota para os jogadores, afinal de contas os principais artífices desta conquista. Impossível não destacar a personalidade de Samaris e Seferovic, proscritos em tempos recentes e agora elevados a heróis da nação benfiquista. Para Rafa e Pizzi escasseiam adjetivos que descrevam a preponderância que tiveram nos desequilíbrios ofensivos da equipa. João Félix já atingiu um patamar reservado apenas aos predestinados, a dupla Rúben Dias e Ferro ‘ameaça’ reeditar-se de quinas ao peito num futuro próximo, Odysseas foi a barreira de que o Benfica precisava entre os postes, Grimaldo um talento reservado para outros voos, e Florentino e Gabriel são pêndulos que deverão serenar Lage no processo de construção do plantel para a próxima época. Mas há alguém que merece um destaque muito especial: André Almeida, o jogador mais subestimado do futebol português mas seguramente um dos mais influentes e determinantes nesta conquista. Parabéns a todos e uma certeza que não posso deixar de lembrar: caso o título tivesse fugido para o FC Porto, nenhum dos elogios aqui lavrados deixaria de fazer sentido. O resultado final é e será sempre um fiel diapasão que avalia o sucesso de toda uma equipa, mas a qualidade do trabalho desenvolvido até ao desfecho não pode nunca ser esquecida.