Leopardos-da-Pérsia: De Sete Rios à Rússia

Foi do Jardim Zoológico de Lisboa que partiu um casal de leopardos-da-pérsia que conseguiu um feito histórico: em cinquenta anos, foram os primeiros a reproduzir-se na Rússia.

A conservação de espécies tem destas ironias: dois leopardos-da-pérsia ‘alfacinhas’ foram o primeiro casal a procriar com sucesso na Rússia nos últimos cinquenta anos. O feito é ainda mais espantoso se tivermos em conta que esta subespécie de felinos é, efetivamente, natural da região do Cáucaso. E é uma espécie em vias de extinção. 

A epopeia do casal de leopardos, Andrea e Zadig, começou em 2012 quando o Jardim Zoológico de Lisboa recebeu um pedido de empréstimo. «Esse casal já estava cá há cinco anos e já eram pais de três ninhadas, por isso tinham uma taxa de reprodução alta. A mãe tinha um comportamento excelente, geria tudo sozinha e os tratadores não tinham que intervir», explica José Dias Ferreira, curador de mamíferos do Zoo que entretanto se tornou também coordenador do Programa Europeu de Reprodução dos Leopardos da Pérsia no âmbito do Programa Europeu de Espécies Ameaçadas (EEP).

A ideia era levar o casal de leopardos para o recém-inaugurado centro de reprodução da espécie em Sochi, junto ao mar Negro, na Rússia. Uma espécie de mega complexo totalmente equipado que custou mais de três milhões de dólares. E que, diz a imprensa russa, é um projeto muito acarinhado pelo Presidente Putin. No final de 2012, a Andrea e o Zadig percorreram os mais de cinco mil quilómetros que separam Sete-Rios de Sochi. José Dias Ferreira viajou antes dos leopardos para dar formação aos tratadores e recebeu-os já no novo lar. 

«Já havia um outro casal que não estava a conseguir reproduzir», explica o curador. As expectativas estavam, portanto, ainda mais elevadas: afinal, há meia centena de anos que não nasciam ali leopardos-da-pérsia. 

«Em 2013, cinco meses depois de a Andrea e o Zadig chegarem, tiveram a primeira ninhada», conta ao SOL o especialista. E da Rússia chega um telefonema «engraçado». «Ligaram às 7 da manhã, julgo que uma assistente do Putin, a dizer quais os nomes que tinham escolhido para as crias e o que é que nós achávamos (risos)». A escolha dos russos pareceu bem aos portugueses e foram ‘batizadas’ as três primeiras – e históricas – crias: Vitoria, Akhun e Killy. 

Depois de Andrea e Zadig procriarem, o outro casal de leopardos, talvez inspirado pelo comportamento dos ‘colegas’ lisboetas, também foi bem sucedido. A segunda parte do processo – a reprodução – estava completa. 

Seguiu-se um período de aprendizagem para as crias. «Em Sochi é tudo controlado à distância porque não interessa que o leopardo associe comida aos humanos, porque depois da libertação não queremos que procure as pessoas. Por exemplo, dentro da reserva eles caçam mas não podem perceber que foi o tratador que pôs lá o javali», relata o curador.

Três anos de caça depois e os leopardos estavam prontos. Há dois meses, foi dado o terceiro passo. Uma das crias do casal, Vitória, foi um dos três felinos escolhidos para ser introduzida na natureza. Desde julho que Vitoria ‘mora’ na Reserva da Biosfera do Cáucaso, uma área protegida de três mil km2 onde residem dezenas de espécies raras. Uma história quase inédita que começou num zoo e acabou na natureza.

Quando zoos e organizações ambientais trabalham em conjunto

Não é pela distância que o curador deixa de acompanhar a evolução da espécie extinta na Rússia. «Só foi possível este programa andar para a frente graças a animais que existiam nos zoos, senão tinham que ir buscar animais selvagens ao Irão [onde vivem cerca de 450 leopardos-da-pérsia] que já eram importantíssimos. Não podíamos correr o risco de danificar aquela população». 

Depois de acompanhar os leopardos à Rússia, José Dias Ferreira tornou-se o coordenador do programa de reprodução que conta com especialistas de vários países e organizações. Também o médico veterinário Rui Bernardino é um dos vet advisors de serviço. Todas as semanas, a equipa reúne por Skype e continua a aconselhar o centro de Sochi. «Temos pessoas dos zoos, pessoas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), pessoas do Programa Europeu das Espécies Ameaçadas. Isto só mostra que as organizações ambientais e os zoos estão a trabalhar bem em conjunto». 

Para Rui Dias Ferreira o exemplo dos leopardos-da-pérsia é um caso claro em que animais de zoo estão a ser utilizados para prevenir a extinção da espécie. E um processo que, apesar de recente, começa a dar frutos. «Agora temos 29 animais em zoos europeus com recomendação para reproduzir e animais com idades entre um e os três anos preparados para serem enviados para a Rússia e reintroduzidos, o que é muito gratificante».

Um espaço modelo

Se é muito provável que a Reserva da Biosfera do Cáucaso se torne a casa de todos os descendentes da Andrea e do Zadig, tal nunca acontecerá com o casal. Tudo porque os animais sob cuidado humano direto nunca poderão ser reintroduzidos. 

Por agora, ainda não se sabe quando Andrea e Zadig voltarão a casa. Ou se voltarão, sequer, para Lisboa. Tudo porque o Jardim Zoológico pertence à European Associaton of Zoos and Aquaria (EAZA), uma instituição que promove a partilha entre zoos de todo o mundo e privilegia a reprodução das espécies para futura reintrodução. «Neste momento, 90% dos animais do zoo de Lisboa pertencem a um programa de reprodução. Existe um coordenador para cada uma das espécies que diz que zoos é que devem reproduzir e que transferências entre zoos devem ser feitas. Ser membro da EAZA significa estar disponível para enviar animais para outros zoos e para o habitat natural».

Caso voltem, vão encontrar um espaço diferente. Aproveitando a boleia da liderança do programa de reprodução da espécie, o zoo renovou a instalação dos leopardos-da-pérsia que é agora um espaço modelo pronto para ser copiado por outros zoos. 

A nova ‘Encosta dos Felinos’ foi renovada com a ajuda da etóloga suíça Marianne Hartman, conhecida como a ‘encantadora de felinos’. Simular zonas de caça é uma dos principais novidades do novo espaço. «Um animal não tem só que apanhar e matar a presa, tem que aprender a procurar e apurar os sentidos», considera a especialista. 

As instalações estão ainda preparadas para que os felinos, solitários por natureza, possam estar juntos ou separados. «Ao contrário do que acontece noutros zoos europeus, aqui os casais de leopardos escolhem estar sempre juntos. Não sei o que é que se passa em Lisboa!» , diz, entre risos, o curador.