Lex. A cunha que levantou suspeitas

É um caso que está a abalar (outra vez) a Justiça portuguesa. Depois de um procurador acusado, agora há um juiz suspeito de vender decisões. O esquema é um verdadeiro polvo.

As suspeitas começaram por se centrar num favor ao empresário José Veiga e surgiram no decurso dos interrogatórios do caso Rota do Atlântico. A partir daí, tudo se foi adensando e colocando Rui Rangel no centro de uma alegada teia de influências e venda de decisões que culminou na última terça-feira com buscas a pontos nevrálgicos – como a sua casa, o seu gabinete no Tribunal da Relação e Lisboa e o Benfica. Luís Filipe Vieira e Álvaro Sobrinho são dois dos nomes de personalidades que, para a investigação, podem ter sido beneficiados.

Para não deixar rasto, acreditam os investigadores, tudo acontecia sem a participação de Rui Rangel. Advogados amigos terão sido os intermediários dos negócios paralelos, havendo um que guardava todos os subornos e os repassava ao juiz da Relação de Lisboa em parcelas inferiores – para que não desse nas vistas.

Durante muitos meses, inspetores da Polícia Judiciária seguiram os passos de Rangel, e puseram-no sob escuta, registando encontros e informações que solidificaram os indícios já existentes. Agora, estão a passar a pente fino todo o material recolhido nos vários alvos de busca, onde, além de inspetores, magistrados e um juiz do Supremo estiveram, sabe o SOL, diversos peritos informáticos.

Segundo a Sábado, no total, o juiz desembargador pode ter recebido, por decisões de favor, agilização de processos ou mesmo informações sobre o estado dos mesmos, cerca de 400 mil euros, dinheiro que terá sido depositado nas contas do advogado José Santos Martins e do seu filho, e que depois seguiria para contas de duas ex-mulheres do juiz – também arguidas na Operação Lex.

O dinheiro que foi caindo nas contas do advogado, que para a investigação é o principal testa de ferro, terá ainda servido para sustentar algumas das despesas pessoais do juiz.

Quem estará na rede

No início desta semana foram detidas cinco pessoas: Rita Figueira, ex-mulher de Rui Rangel, por suspeita e branqueamento, Octávio Correia, oficial de justiça da Relação de Lisboa, por suspeita de viciar sorteios de processos para Rangel, o advogado Santos Martins e o seu filho, por gerirem todo o alegado esquema de contrapartidas e guardarem o dinheiro, e Jorge Barroso, também advogado, por intermediar contactos dentro do esquema, nomeadamente com dirigentes do Benfica.

Rui Rangel e Fátima Galante, suspeita de ter feito alguns dos acórdãos e ter tido um papel relevante na alegada teia de corrupção montada, só não terão sido detidos porque a lei não o permite, por serem juízes desembargadores (a menos que sejam apanhados em flagrante delito em crimes graves). Também por serem magistrados da Relação, a investigação tem de correr junto do Supremo Tribunal de Justiça.

Além destes, existem outros seis arguidos, dos quais se destaca Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, e Fernando Tavares, vice-presidente do clube da Luz para as modalidades. O primeiro, porque as autoridades terão suspeitas de que prometeu lugares de destaque no clube em troca de influências de Rui Rangel; e o segundo por haver indícios de ter tido papel relevante no branqueamento de capitais.

Durante várias horas, fonte oficial do Benfica defendeu que Luís Filipe Vieira não tinha sido constituído arguido, mas, na quarta-feira, a Procuradoria-Geral da República (PGR) veio por fim a qualquer dúvida: é arguido. De facto, segundo o SOL apurou, Vieira ter-se-á recusado a assinar a notificação, mas, como tudo lhe foi transmitido verbalmente, nada obsta a que tivesse sido constituído arguido.

Os restantes quatro arguidos são Bruna Amaral, ex-mulher de Rangel, Alberto Figueira e Nuno Proença, familiares de Rita Figueira e João Rodrigues. Os primeiros três são suspeitos de terem ajudado o juiz a branquear dinheiro, e o último de ter feito a ponte com Álvaro Sobrinho, banqueiro angolano.

O início: A Rota do Atlântico 

O juiz desembargador Rui Rangel está a ser investigado por indícios de crimes recolhidos no âmbito da chamada Operação Rota do Atlântico – em que se investiga José Veiga e Paulo Santana Lopes por suspeitas «de corrupção ativa no comércio internacional, branqueamento de capitais, tráfico de influências, participação económica em negócio e fraude fiscal qualificada».

Segundo o SOL apurou, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) encontrou no âmbito desta investigação factos que indiciam a prática de crime e que envolvem o magistrado da Relação de Lisboa.

Esses factos terão surgido durante buscas feitas ao escritório do advogado José Santos Martins, indiciado na Operação Rota do Atlântico – e que é próximo de Rui Rangel. 

A investigação terá mesmo descoberto milhares de euros provenientes de José Veiga depositados na conta do filho do advogado e que para a investigação teriam como destino o juiz desembargador.

Foi a partir das diligências levadas a cabo no escritório que a equipa que investiga a Operação Rota do Atlântico decidiu extrair uma certidão e enviar a mesma para o Ministério Público, junto do Supremo Tribunal de Justiça

A Visão noticiou em 2016 que existem registos fotográficos de encontros entre José Veiga e Rui Rangel e que no âmbito da Operação Rota do Atlântico já tinha ficado claro que o empresário tinha ajudado o juiz a enfrentar dificuldades económicas. Na altura, Rangel garantiu que esta afirmação não fazia qualquer sentido.

A mesma revista – que diz agora que, além de todos os indícios recolhidos na Rota do Atlântico, ainda houve um informador secreto a fazer queixa de Rangel – tinha noticiado há alguns meses que, quando foi interrogado no âmbito da Operação Rota do Atlântico, José Veiga terá contado que se encontrou com o juiz no Ritz, em Lisboa. Nessa reunião, realizada em 2015, um dos assuntos em cima da mesa foi o Benfica. Outro, um processo judicial que estava pendente e que o empresário queria ver resolvido.

É que, após ter sido investigado no âmbito da transferência de João Pinto do Benfica para o Sporting e ter sido condenado há seis anos em primeira instância, o empresário acabou por ser absolvido por decisão da Relação de Lisboa dos crimes de branqueamento e fraude fiscal. Mas no tribunal administrativo e fiscal tudo estava em aberto e será para isso que  terá pedido a intervenção de Rangel.

E se Veiga disse não ter ficado convencido que Rangel pudesse agilizar esse processo, por outro lado, Paulo Santana Lopes disse, também em interrogatório, que o juiz conseguiu intervir no caso.

Ligação de Luís Filipe Vieira

Rui Rangel poderá ter vendido a sua intervenção num processo que corria na Justiça contra uma sociedade ligada ao grupo empresarial do presidente do Benfica. O caso, segundo foi entretanto noticiado, era de natureza fiscal e estava a correr na comarca de Sintra: em causa uma dívida de mais de um milhão de euros ao fisco. As buscas à casa de Vieira e à SAD do Benfica, confirmada logo na terça-feira pelo clube, terão servido exatamente para que as autoridades recolhessem dados que possam vir a ser importantes para a investigação.

Os milhões de Álvaro Sobrinho

João Rodrigues, advogado e ex-presidente da Federação Portuguesa de Futebol. só foi constituído arguida na quarta-feira quando chegou a Lisboa vindo de Angola. E é precisamente de Luanda que vêm as suspeitas que sobre si recaem nesta investigação, uma vez que o MP acredita que possa ter sido o homem que fez a ponte entre o juiz Rui Rangel e o banqueiro angolano Álvaro Sobrinho. Agora os investigadores pretendem perceber melhor os contornos em que os milhões do angolano foram devolvidos pela Relação de Lisboa em 2015, depois de ter sido decretado o seu arresto pelo juiz Carlos Alexandre.