mas quando exclama: «que se lixem as eleições», borra a pintura – cruza a linha entre o populismo doce e o desabafo arruaceiro. para comunicar com a plebe, um primeiro-ministro não pode adoptar um registo plebeu – porque desvaloriza, pela caricatura, aqueles a quem quer exaltar.
quanto mais difíceis são os tempos, maior tranquilidade se espera de um primeiro-ministro.
sócrates foi prejudicado por transformar essa tranquilidade num optimismo indómito, que soava a falso aos ouvidos de uma nação habituada a responder «cá vamos andando» quando se lhe pergunta como vai.
bradar «que se lixe» o que quer que seja, em público, não fica bem ao responsável máximo do governo.
o privilégio de governar implica um conjunto de restrições de expressão: os estados de alma, em democracia, são prerrogativa dos súbditos – em particular nas épocas em que quase todas as outras prerrogativas lhes são retiradas.
a intenção terá sido boa: sublinhar a relevância superior do país em relação aos meandros da política partidária. mas a formulação deveria ter sido outra. uma frase serena como: «não estou preocupado com as eleições».
o «que se lixem» é calão de quem está desesperado com os curto-circuitos da máquina partidária. passos coelho tem razão para isso, e enquanto não se libertar da sombra perniciosa de miguel relvas esse desespero não desaparecerá.
fora e dentro da área política do psd ninguém entende porque não o faz: a manutenção da estrutura governativa a qualquer preço não significa firmeza, mas teimosia.
o povo é muito lesto a distinguir estas duas características de personalidade, e a queimar os teimosos – como sócrates percebeu demasiado tarde. a lealdade só é bonita quando é recíproca e transparente: quando não, toma a aparência diabólica do tráfico de influências.
a frase de passos coelho pretende certamente também servir de antídoto a uma eventual queda do psd nas próximas autárquicas; mas não deixa de ser agressiva com o próprio sistema partidário de que depende a democracia.
nos bastidores desta frase, está a ideia de que a única política possível é aquela que o governo está a seguir – nem é já uma política, apenas uma inevitabilidade contabilística.
ora o exercício do poder implica a conjugação de variáveis distintas e uma sensibilidade social que não se compadece com o cuidado exclusivo da tesouraria.
os números da execução orçamental demonstram que sem política as contas escorregam. e nunca há uma só política possível, excepto em ditadura.
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