Locarno, festival de encontros ardentes

A 70.ª edição do festival suíço homenageia Nastassja Kinski, que se reencontra com o famoso Cat People, de 1982. Fanny Ardant, em versão transgender, procura o filho.

Os festivais de cinema são frequentemente locais privilegiados de encontros. Locarno não foge à regra. Fundado em 1932, em pleno ambiente nacionalista de Mussolini (o prémio principal chamou-se Taça Mussolini até aos anos 40), é apenas alguns meses mais novo que Cannes e alguns anitos mais do que o ‘veterano’ de Veneza.Duas divas dominaram esta 70.ª edição: Nastassja Kinski e Fanny Ardant.

Estes expoentes de beleza feminina foram o alvo natural do aplauso das mais de 8 mil pessoas que enchem regularmente as sessões ao livre da Piazza Grande, naquela que é muito possivelmente a mais gloriosa sala de cinema do mundo.

O que sucede então quando Fanny Ardant, um símbolo gigante da beleza que encarnou uma enorme galeria de personagens femininas, decide assumir o seu reverso? A insólita mutação ocorre em Lola Pater, o filme do franco argelino de 52 anos Nadir Moknèche, em cuja história se promove o singular encontro entre um filho que acaba de perder a mãe e decide procurar o pai. Só que o pai Farid, afinal de contas chama-se agora… Lola. É uma Fanny simplesmente ardente que vemos nessa possibilidade de nos deixar entrever uma masculinidade sugerida que confunde o próprio filho.

Nessa mesma noite, Nastassja Kinski passaria pelo palco em que Miguel Gomes e Olivier Assayas já haviam apresentado o júri oficial que irá premiar o próximo Leopardo de Ouro. Isto na edição em que ocorre o mítico encontro das duas versões de Cat People; desde logo, o original A Pantera (1942), de Jacques Tourneur cineasta francês com vasta obra rodada nos EUA e alvo de retrospetiva em Locarno, bem como a versão A Felina, de 1982, de Paul Schrader, bem mais conhecida do grande público. É aí que uma Nastassja Kinski de 21 anitos opera uma prestação plena de erotismo e sedução que muitos ainda recordam. Entretanto, a atriz revelou-nos, em entrevista a ser publicada em próxima edição, a intenção de encontrar-se com Cristiano Ronaldo para concretizar um documentário sobre desportistas.

A carreira de miss Kinski receberia também uma outra inesperada aproximação com a fantástica prestação de Harry Dean Stanton, com quem a diva contracena no mítico Paris, Texas, de Wim Wenders. Mesmo aos 91 anos, Dean celebra a imagem do eterno cowboy em Lucky, a obra de estreia de John Carroll Lynch, exibida em competição.

Locarno viu também – e gostou! – do alucinado filme do português Pedro Cabeleira, Verão Danado, rodado quase sem orçamento, sobre as atribulações de um recém-licenciado numa Lisboa psicadélica. No ano passado João Pedro Rodrigues ganhou aqui o prémio de realização com O Ornitólogo. Vejamos como termina este novo encontro de Locarno com o cinema português.

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Artigo publicado na edição do SOL de 5 de agosto