Macedónia à beira de crise política

O resultado do referendo na Macedónia extravasa a questão do nome do país. É, sobretudo, a consequência de movimentos no xadrez geopolítico dos Balcãs.

Macedónia à beira de crise política

O resultado do referendo na Macedónia sobre a mudança de nome e consequente adesão do país à União Europeia (UE) e NATO poderá ter mergulhado o país numa crise política. Com apenas 36,9% dos macedónios – dos quais 91,4% votaram ‘sim’ – a terem ido às urnas, a consulta popular não atingiu os 50% de participação para ser legalmente vinculativa. Agora, um parlamento dividido terá de votar o acordo com Atenas e, se falhar, eleições legislativas antecipadas serão convocadas pelo líder do governo macedónio, o primeiro-ministro Zoran Zaev. Em causa não está apenas a mudança de nome para República da Macedónia do Norte, mas o maior movimento no xadrez geopolítico dos Balcãs desde a desintegração da Jugoslávia e consequentes conflitos, na década de 90. De um lado o Ocidente, do outro a Rússia.

«Nas próximas semanas vamos avaliar se conseguimos garantir a maioria [parlamentar] necessária para as mudanças constitucionais e, se não o conseguirmos, vamos convocar eleições antecipadas», revelou a ministra da Defesa macedónia, Radmila Sekerinska, citada pela Reuters. Se no parlamento a coligação governamental de Zaev detém a maioria (68 deputados em 120), esta não é suficiente para aprovar as necessárias alterações constitucionais, vendo-se obrigada a conquistar pelo menos 12 deputados da oposição para ter uma maioria de dois terços. Um cenário que se afigura difícil por o principal partido da oposição, o VMRO-DPMNE, se afirmar liminarmente contra a mudança de nome e ter apelado ao boicote ao referendo. «O fracasso da consulta popular é um triunfo para o partido da oposição VMRO-DPMNE, que declara o governo de Zaev um fracasso, assim como o acordo sobre o nome com a Grécia», escreveu Adelheid Feilcke, jornalista do Deutsche Welle, acrescentando que a oposição «sai reforçada com o sucesso do boicote ao referendo». Mas nem por isso Zaev deixa de pressionar os deputados da oposição: «Têm agora a obrigação de fazer com que a Macedónia se torne num país melhor para todos nós».

Em junho, Zaev e o seu homólogo grego, Alexis Tsipras, encontraram-se nas margens do lago Prespa, repartido entre Albânia, Grécia e Macedónia, para celebrarem o acordo alcançado após meses de negociações. Desde que a Macedónia se tornou independente, depois do colapso da Jugoslávia, em 1991, que Atenas sempre se opôs à adesão de Skopje à UE e NATO. Em causa estava o nome República da Macedónia, com os gregos a considerarem que essa denominação preservava ambições territoriais sobre a região homónima, cuja capital é Salónica, no norte da Grécia. Recorde-se que a Grécia é membro da NATO e possui uma importância geoestratégica relevante por causa dos seus portos, como o de Pireu e Salónica. Pelo meio, disputas históricas sobre qual o país que representa o legado de Alexandre, o Grande, ganharam força, impulsionando os nacionalismos nos dois lados da fronteira. Hoje, 130 Estados-membros da ONU reconhecem a Macedónia, com Atenas a ver-se cada vez mais isolada.

‘Oportunidade de uma vida’

O acordo de Prespa e a adesão de Skopje à UE e NATO é o maior movimento no xadrez geopolítico dos Balcãs desde a desintegração da Jugoslávia e consequentes conflitos. De um lado, a Rússia, do outro a NATO e a UE. A primeira quer manter a sua influência sobre os Balcãs, principalmente na Sérvia, Kosovo e Montenegro, enquanto os segundos querem expandi-la com novas adesões num momento de grandes tensões com Moscovo.

Nenhum dos lados se tem poupado a esforços para ganhar a disputa geopolítica. A chanceler alemã Angela Merkel, o secretário geral da NATO, Jens Stoltenberg, e o secretário da Defesa norte-americano, Jim Mattis, visitaram a Macedónia para defenderem o acordo e as adesões à NATO e UE. Nos seus discursos, apelaram aos macedónios para agarrarem a «oportunidade de uma vida», apostando capital político. Por outro lado, Washington acusa Moscovo de tentar interferir na política macedónia. «Não queremos ver a Rússia a fazer [na Macedónia] o que tem tentado fazer em tantos outros países», afirmou Mattis durante a sua visita ao país, em meados de setembro. Uma interferência que, alega Atenas, também se estendeu à Grécia. Em julho, o governo grego expulsou quatro diplomatas russos por, alegadamente, tentarem inflamar o sentimento anti-Macedónia em Salónica. 

Para Moscovo, o resultado do referendo comprova o falhanço «da campanha de propaganda em grande escala que interferiu direta e livremente nos assuntos internos de um Estado dos Balcãs», referindo que o «referendo não pode ser considerado válido» por os eleitores terem «escolhido boicotar as soluções impostas por Skopje e Atenas». 

Com o contexto feito para garantir a entrada da Macedónia na UE e NATO, voltemos à votação do acordo no parlamento macedónio. Se for chumbado no órgão legislativo macedónio, não restará outra alternativa ao primeiro-ministro Zaev que não convocar eleições legislativas antecipadas, o que, por sua vez, atrasará o processo negociado com Atenas entre 45 a 60 dias. Um atraso que poderá ser fatal para o sucesso do acordo e entrada da Macedónia na UE e na NATO: o eleitorado grego será chamado às urnas em setembro, com a Nova Democracia, principal partido da oposição e líder nas sondagens, a posicionar-se contra o acordo. «A ND fará todo e qualquer esforço para evitar que o prejudicial acordo de Prespa entre em vigor», afirmou o partido. 

Se Zoran conseguir conquistar a maioria de dois terços, terá ainda de se confrontar com a oposição do presidente macedónio, Gjeorge Ivanov, que caracterizou o acordo como «suicídio histórico» e revelou não ter qualquer intenção de o ratificar. «A maioria silenciosa decidiu», reagiu aos resultados do referendo.

As relações entre Atenas e Skopje nunca foram as melhores, com avanços e recuos, acusações e contra-acusações, mas o acordo firmado conseguiu unir as duas capitais ao ponto de Atenas atacar sem temor o chefe de Estado macedónio, o que pode figurar ingerência externa. «George Ivanov, esse terrível Presidente do país vizinho, disse que o referendo falhou e que tudo acabou», afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros grego, Nikos Kotzias. E colocou em causa a legitimidade democrática do Presidente macedónio: «Como é que uma pessoa eleita com meio milhão de votos acredita estar legitimada para invalidar 610 mil votos?».

ricardo.fernandes@sol.pt