Maratonas

Em 2013, Rebekah Gregory, então com 26 anos, perdeu uma perna no atentado terrorista à Maratona de Boston, onde nem sequer corria: apenas fora assistir à corrida da mãe. 

No ano seguinte, Rebekah fez a maratona em cadeira de rodas. Este ano, completou-a a pé, com uma prótese, debaixo de vento e chuva, amparada pelo treinador. Quando chegou à meta, ajoelhou-se, beijou o chão e disse que começava ali uma vida nova.

Calhou-me estar em Boston no passado dia 20, o dia da Maratona. Foi uma odisseia chegar à estação de comboios. As ruas estavam cortadas desde o início da manhã. Três mil e quinhentos polícias garantiam a segurança do evento. Ninguém entrava nas ruas circundantes às da corrida sem ter as malas inspeccionadas ao milímetro, enquanto milhares de voluntários tratavam do apoio aos maratonistas. A corrida decorreu sem incidentes, num ambiente de festa. 

Nesse dia iniciava eu uma semana de maratona por um conjunto de universidades da região da Nova Inglaterra onde se ensina a Língua e a Cultura portuguesas – nalgumas delas com poucos meios mas excelentes professores, e com muitos alunos americanos verdadeiramente empenhados e curiosos. 

Portugal deveria dedicar maior atenção ao essencial ensino da Língua nos Estados Unidos da América, em particular nos Estados – como é o caso da Califórnia, do Massachusetts e de Rhode Island – com grandes percentagens de população luso-americana. 

O país tem preferido sistematicamente o investimento a fundo perdido na criação de acontecimentos pontuais para encher o olho, que nada mudam (vide o Ano Portugal-Brasil ou a recente mostra da cultura portuguesa em Washington), em vez da criação de condições para um trabalho continuado, de fundo, na ampliação contínua dos horizontes da língua e da cultura. Falta-nos, em geral, a persistência política e supra-partidária da criação de redes. Valem-nos as excepções, enquanto não são engolidas pela regra. 

Na Universidade de Massachusetts-Boston realizou-se no passado dia 21 um encontro de escritoras da lusofonia, graças a uma articulação bem sucedida entre o Consulado de Portugal e os Consulados de Cabo-Verde e do Brasil, o leitorado local do Instituto Camões e o coordenador-adjunto do Ensino do Português nos Estados Unidos. 

O encontro contou com contributos de professores de várias outras universidades da Nova Inglaterra. Foi a 4.ª edição da Conferência anual sobre Literatura em Língua Portuguesa, inserida no Boston Portuguese Festival – que, por sua vez, já vai na 10.ª edição. 

São iniciativas que vivem muito da capacidade de entrega e de trabalho multidisciplinar dos seus promotores: eles programam, acompanham os convidados, tratam das burocracias e dos refrescos, carregam caixotes e cartazes, sem aquele tão tradicional argumento português do «eu-sou-um-técnico-superior-portanto-não-atendo-um-telefone-nem-carrego-um-copo». 

A alegria do dever cumprido, para mim, manifesta-se quando um jovem americano me pede que soletre de novo o nome de Agustina Bessa-Luís e me diz que vai procurar um livro dela – em português, claro, porque em inglês não há. Escandalosamente, continua a não haver. 

inespedrosa.sol@gmail.com