Marroquino acusado de terrorismo só será julgado por falsificação e contrafação

Juiz Ivo Rosa considerou que não existem factos suficientes para levar Abdessalam Tazi a julgamento por crimes de terrorismo, mas manteve prisão preventiva.

O marroquino Abdessalam Tazi, acusado de crimes de terrorismo, só vai ser julgado por um crime de falsificação de documentos e quatro crimes de contrafacção de moeda. O juiz de instrução Ivo Rosa decidiu, no entanto, manter o arguido em prisão preventiva por considerar que existe periogo de fuga e continuação da atividade criminosa.

No debate instrutório – a fase de instrução, facultativa, foi aberta pela defesa para evitar julgamento por crimes de terrorismo –, o Ministério Público tinha reiterado tudo o que consta da acusação, referindo que as diligências feitas até agora em nada abalaram os indícios recolhidos pela investigação. E pediu que o juiz Ivo Rosa não se deixasse levar pelas mentiras do arguido. A defesa, por outro lado, invocou o vício de nulidade da acusação, considerando que os únicos ilícitos que deveriam chegar a julgamento eram os de falsificação e uso de documentos falsos.

Na despacho de pronúncia deixa-se, no entanto, claro que não se pode falar em nulidade da acusação por esta esvaziada de elementos de prova, com sustenta a defesa: “É descrita a função e o papel do arguido, os contactos que manteve com outras pessoas com vista à alegada adesão ao estado islâmico, os locais onde exerceu esses contactos, os documentos de identificação que utilizou, as viagens que realizou, os cartões de crédito que utilizou”.

O juiz Ivo Rosa entende que “questão diferente, é saber se os autos contêm os elementos de prova suficientes para sustentar a submissão daquele a julgamento pelos crimes imputados na acusação”.

 Ou seja,existem elementos de prova, poderão é não existir para fundamentar todos os crimes: “Assim sendo, não estamos, pois, perante uma absoluta omissão desses elementos, consubstanciadora da prática da nulidade”.

Abdessalam Tazi estava acusado de um crime de adesão a organização terrorista internacional, um de falsificação com vista ao terrorismo, quatro de uso de documento falso com vista ao financiamento do terrorismo, um de recrutamento para terrorismo e um de financiamento do terrorismo.

Mas o magistrado considerou que existiam factos inócuos e que os mesmos tinham de ser expurgados da decisão de pronúnciam, o que fez com que os restantes crimes caíssem: “Nesta conformidade, conclui-se pela verificação de fortes indícios, nos autos para submeter o arguido a julgamento, quanto aos factos descritos na acusação relativos ao uso do passaporte falso e à falsificação dos cartões de crédito”. Ivo Rosa deixou assim cair os restantes crimes.

Com os quatro cartões de crédito obtidos de forma fraudulenta, os arguidos Tazi e Hicham El Hanafi (atualmente detido em França suspeito de planear um atentado terrorista) compraram roupa, máquina de cortar cabelo, comida e estadas e telemóveis.

O juiz considerou também que se verificava os perigos de fuga e de continuação da atividade criminosa, recusando que exista perigo de conservação e veracidade da prova ou de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.

“Neste momento, a medida de coacção que se revela necessária para acautelar o perigo de fuga e de continuação da actividade criminosa e proporcional à gravidade do crime indiciado e das sanções que previsivelmente serão aplicadas é a medida de prisão preventiva”, conclui, remetendo o processo para o Juízo Central Criminal da Comarca de Aveiro, “por ser o local onde se consumou o crime de contrafacção de moeda”.

Um sedutor que criou vários embustes 

Para o Ministério Público, Tazi foi o responsável pela radicalização do outro arguido neste caso, Hicham El Hanafi.

Ambos viviam num quarto alugado por uma senhora, em Aveiro, e eram tratados por outros nomes (Salim e Xan). A proprietária descreveu-os como pessoas que falavam muito em Alá, que gostavam de Portugal e de jogar à bola e ao pião – cada um tinha o seu.

“Toda a gente diz que o comportamento do Hicham mudou com a convivência com Tazi, homem mais experiente, mais velho e com capacidade de sedução”, frisou o procurador João Melo no debate instrutório que aconteceu no início da semana, afirmando que o arguido, presente na sala, “estuda os personagens e os momentos próprios e sabe construir o seu discurso de forma a seduzir.”

Além disso, o magistrado elencou várias mentiras de Tazi e o facto de ter falsificado os seus documentos: “Não fez outra coisa desde que chegou à Europa senão mentir.”

Para o MP, Tazi – que foi preso na Alemanha em 2016 e cumpriu pena por fraude informática com o uso de cartões de crédito – não radicalizou apenas Hicham. Ou seja, funcionando como uma espécie de líder da célula que atuava em Portugal, centrada em Lisboa e Aveiro e com ligações a vários países europeus e ao Daesh, o marroquino de 64 anos, ex-polícia e que chegou a Portugal pela primeira vez em 2013, recrutaria também no Centro de Acolhimento de Refugiados.

O procurador João Melo defendeu ainda que não se pode acreditar que o arguido não saiba, como este disse, se uma mala azul onde foram recolhidos documentos e moedas da Guatemala (país para onde Tazi admitiu ter viajado sozinho) era ou não sua. “Não é crível que uma pessoa não se lembre da cor da sua mala, da mala com que viajou pela Europa. Até porque teve de a identificar nos aeroportos”, salientou. “Qualquer pessoa vê que a versão apresentada pelo arguido não tem correspondência com a verdade.”

O MP manteve ainda que terá sido Tazi a convencer a família de Hicham a ir para a Síria: “Foi o arguido que deu as instruções à família para que, quando chegassem a Portugal, dissessem que eram perseguidos pelo regime marroquino e ficassem no centro de asilo onde ia todas as semanas oferecer coisas e falar com as pessoas, seduzi-las com a conversa da doutrinação jihadista.” Aos jovens do centro, o MP acredita que o suspeito dizia que tinham de abandonar Portugal, convencendo-os de que conseguiriam uma vida melhor e uma remuneração de 1800 dólares.

Tazi começou a ser investigado no âmbito de uma denúncia de três cidadãos marroquinos, um deles irmão de Hicham. O arguido defende que tudo se tratou de uma cilada, mas o MP diz haver fortes indícios.

Defesa diz que não há indícios O advogado Lopes Guerreiro, que defende o arguido, disse no debate instrutório que nem se trata de um caso de indícios insuficientes, alegando que estes nem sequer existem: “Onde está a prova do recrutamento para o terrorismo, onde está a prova para o financiamento ao terrorismo? O que há é suspeições, inferências.” E foi com base nisso que pediu a nulidade da acusação.

Quanto ao crime de falsificação de documentos, a defesa considerou que este é manifesto: “O próprio arguido assumiu isso, disse que falsificou documentos para fazer cartões de crédito novos. Deve ser pronunciado para julgamento por isso; por terrorismo, jamais.”