Mediterrâneo. Amnistia acusa Itália de contribuir para morte de refugiados

Itália e UE são cúmplices de violação dos direitos humanos, diz AI. Em junho e julho morreram 721 pessoas a tentar a travessia para a Europa

A Amnistia Internacional (AI) acusa o governo italiano de ter transformado o sistema de busca e salvamento no Mediterrâneo num sistema “não confiável, imprevisível e punitivo”. No seu mais recente relatório sobre a crise dos migrantes, a AI diz que a decisão do ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, de impedir o desembarque de migrantes dos navios das organizações aumenta o perigo de morte na travessia do mar. Bem como a retirada das estruturas italianas do papel de liderança na coordenação das operações.

Do início do  junho ao final de julho, pelo menos 721 pessoas perderam a vida ao tentarem atravessar o Mediterrâneo com embarcações precárias disponibilizadas por traficantes. Em junho, 564 foram encontrados mortos ou dados como desaparecidos, enquanto em julho foram 157.

Cerca de 60 mil migrantes e refugiados conseguiram atravessar o Mediterrâneo desde janeiro deste ano, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Valor que representa metade do número registado em 2017. 

“O tratamento cada vez mais hostil, por parte das autoridades italianas e maltesas, contra organizações não governamentais (ONG) dedicadas a salvar vidas no mar está a retirar recursos vitais de resgate no Mediterrâneo Central”, afirma a Amnistia no relatório de 27 páginas. “Em vez de serem aplaudidas, as ONG, que em 2017 realizaram cerca de 40% dos salvamentos, enfrentam agora a calúnia, a intimidação e processos em tribunal”, acrescenta.

As críticas da organização não se limitam à forma como o recém-eleito governo italiano tem reagido à crise da migração, mas às políticas da União Europeia. “A Itália e a União Europeia estão a reforçar as suas políticas de apoio à guarda costeira líbia para garantir que impede partidas e interceta refugiados e migrantes em alto mar para os levar de volta à Líbia”, critica a organização humanitária, acrescentando que essa política está a “contribuir para tornar a rota do Mediterrâneo central mais perigosa”.

Tortura e violações

Se, por um lado, continua a Amnistia, a UE reforça o apoio à guarda costeira Líbia, por outro não tem exigido responsabilidades pela violação dos direitos humanos dos refugiados e migrantes. Não são poucos os relatos de quem tenta chegar à Europa de que a guarda costeira líbia viola os direitos humanos e recebe subornos dos traficantes. Tortura, violações, tráfico, raptos e extorsões são alguns dos crimes imputados às autoridades líbias.

E os ativistas não têm dúvida quando acusam o governo italiano e a UE de serem cúmplices. “Esta é a consequência direta da contratação de milícias armadas para fazer o resto da Europa acreditar que a Líbia é um Estado, um governo e um país seguro”, acusou Òscar Camps, da organização humanitária Proactive Open Arms, ao comentar o abandono de três mulheres e uma criança em alto mar pelas autoridades líbias. 

O executivo italiano tem acusado as ONG que realizam operações de busca e salvamento no Mediterrâneo de agirem em conluio com os traficantes de seres humanos, acusações que as ONG recusam liminarmente. O governo de Salvini acredita que, caso as operações diminuam, a migração tenderá a diminuir significativamente. Um raciocínio que no passado já se mostrou errado – e que custou centenas de vidas humanas. 

Em 2014, a Itália realizou a operação Mare Nostrum, financiada pela UE. Recorrendo a navios militares, conseguiram salvar mais de 100 mil pessoas, ainda que 98 tenham morrido. No ano seguinte, a Operação Tritão não teve tão bons resultados. Focada na proteção das fronteiras marítimas e não em operações de busca e salvamento, quando o fluxo de pessoas atingiu valores nunca antes vistos, morreram 1800 pessoas, 18 vezes mais do que durante a vigência da Mare Nostrum.