Miró à beira do Tejo

Uma das grandes vocações de Portugal é o turismo. É ser uma espécie de ‘Florida da Europa’. Um país tem de aproveitar aquilo que tem, e a natureza beneficiou-nos com uma situação privilegiada, na encruzilhada de três continentes, um clima soberbo e um mar a perder de vista. Além de uma paisagem diversificada, que vai…

Portugal tem, pois, tudo para ser um destino turístico privilegiado. Até porque, às condições naturais, somam-se outras que foram sendo acrescentadas ao longo dos séculos.

Temos uma história que apela ao sonho e que inclui uma das grandes epopeias realizadas pelo homem, dando origem a encontros de civilizações e a obras imortais da literatura universal.

Temos património construído valiosíssimo, que vai desde os monumentos megalíticos à actualidade, de que fazem parte sés catedrais como as de Évora ou Viseu, conventos como o de Cristo em Tomar, mosteiros como os da Batalha ou dos Jerónimos, castelos como os de Guimarães ou Lisboa, torres como a dos Clérigos ou a de Belém, palácios como o da Pena, igrejas aos milhares onde avulta a sumptuosa talha dourada.

Temos uma gastronomia riquíssima, com receitas para todos os gostos – de sopas, peixe, marisco, carne, saladas, queijos e doces (recordem-se os pastéis de Belém, que valeram a crucificação ao ministro ‘Álvaro’…). E dispomos ainda de óptimos vinhos.

Temos, finalmente, ‘embaixadores’ muito mediáticos, a começar por Cristiano Ronaldo.

O turismo é uma das grandes mais-valias do país e há que valorizá-lo permanentemente, acompanhando as tendências. Sabemos, por exemplo, que o turismo cultural tem vindo sempre a aumentar. Alguns dos nossos museus que durante décadas estiveram quase às moscas (com excepção do Museu dos Coches, que continua a ser o mais visitado) hoje têm bichas à porta.

O investimento no património cultural é um investimento economicamente rentável a prazo pois, além das receitas directas, ajuda a atrair turistas e a melhorar a imagem do país, contribuindo para assegurar o futuro.

Numa cultura que está hoje muito popularizada, uma das coisas mais importantes são os nomes. Todos podemos passar distraidamente, sem olhar, pela obra genial de um autor desconhecido – mas ficaremos cinco minutos a olhar embasbacados para um quadro todo negro de um pintor célebre.

As coisas são como são e é preciso saber aproveitar as oportunidades. Há uns anos, a Câmara de Lisboa desistiu de recuperar o Parque Mayer e de construir uma complexo projectado para aquele local pelo famoso arquitecto do Guggenheim de Bilbau, Frank Gehry. Julgo que foi um erro. Ter uma obra de Ghery era mais um bom motivo de atracção turística para Lisboa. A cidade de Bilbau viu subir em flecha o número de visitantes depois da construção do museu.

Nas artes plásticas, Portugal tem alguns nomes contemporâneos que adquiriram projecção internacional, casos de Maria Helena Vieira da Silva, Paula Rego, Pomar ou Joana Vasconcelos, e deve aproveitá-los ao máximo como cartões de visita. O recente sucesso de Joana Vasconcelos na Ajuda (depois de igual êxito em Versalhes) mostra como isso rende e funciona.

E, na arquitectura, também temos nomes fortes como Siza Vieira e Souto Moura.

O espólio do BPN, banco nacionalizado pelo Estado, incluía uma extensa colecção de quadros de Miró – que o Governo decidiu vender com base na decisão política de tapar o buraco do BPN com os activos do banco.

Ora, sei que o país não tem dinheiro para mandar cantar um cego. E considero muito louvável o esforço que este Governo tem feito, e a coragem que tem revelado para, contra tudo e contra todos, endireitar as finanças públicas. Mas – que diabo! – num buraco de mais de 4 mil milhões, não são 40 milhões que vão aquecer ou arrefecer. Os milhões de Miró não darão para tapar a cova de um dente, como diria o outro, e vai-se um tesouro artístico raro e impossível de reconstituir.

É muito difícil hoje, no mundo das artes, reunir um número tão grande de obras de um artista com a dimensão mundial de Miró. Excepção feita à fundação de Barcelona, deve ser caso raro alguém ter 85 quadros de Miró. Mesmo que alguns não prestem, são Mirós. E o acervo vale também pela raridade do conjunto. Ora, quem teve a oportunidade de o conseguir, não deve desaproveitá-la.

Pensei terminar este artigo dando sequência a um apelo de Inês Pedrosa, feito aqui no SOL, para se rentabilizar o Pavilhão de Portugal na Expo (o da pala de Siza). A ideia que me ocorreu foi sugerir que se instalasse lá um Museu Miró.

Abrir um Museu Miró em Portugal seria um acontecimento internacional. E o museu figuraria, seguramente, em todos os roteiros culturais. Seria mais um elemento a pôr Portugal no mapa das artes, não apenas por glórias do passado mas por obras contemporâneas.

E seria um bom sinal dado ao estrangeiro. Um sinal de optimismo. ‘Veja-se que Portugal tem dificuldades económicas mas não se desfaz dos anéis todos’ – dir-se-ia lá fora.

Acresce que a criação de um Museu Miró nesta altura faria bem à imagem de Portugal – para não falar da imagem do Governo, que mostraria ter uma visão para lá dos números.

Entretanto, quando o artigo já estava pronto, vi que Gabriela Canavilhas fez exactamente a mesma sugestão. Não posso, assim, reivindicar a originalidade da ideia – mas tenho o conforto de, numa questão cultural, estar ao lado de uma ex-ministra da Cultura.

P.S. – Não pondo em causa nada do que ficou escrito, se perguntassem a cada um dos dez milhões de portugueses se estava disposto a dar os 4 euros necessários para os quadros de Miró ficarem em Portugal, a esmagadora maioria diria provavelmente que não.

jas@sol.pt