Morada eterna

por Nélson Mateus e Alice Vieira

Querida avó,

Escrevo-te esta carta no aeroporto da Madeira. Como sabes, vim inaugurar a Exposição “Retratos Contados de Ruy de Carvalho” ao Funchal. 
É um privilégio, para mim, ser Promotor desta exposição.
Ruy de Carvalho é respeitado e admirado por todos os seus colegas. É considerado por muitos como o “avô de todos os portugueses”. É assim que eu gosto de o tratar.
Ao longo dos últimos anos, ao lado do “avô” Ruy, tenho percorrido Portugal de Norte a Sul, com as suas exposições e tertúlias.
Durante as nossas viagens, o Ruy vai sempre a contar-me histórias sobre os seus 96 anos de vida e 80 de carreira.
Inevitavelmente, algumas dessas histórias de vida estão relacionadas com a Ilha da Madeira. Nas nossas tertúlias, o Ruy partilha sempre a admiração, e carinho, que tem pela Madeira, assim como pelo público da Madeira e pelos madeirenses.
Realizar esta exposição na Madeira era algo que, ambos, desejávamos há muito tempo. Esse sonho é agora realizado.
Uma belíssima iniciativa que junta os madeirenses a estas celebrações dos 96 anos de vida e 80 de carreira do ator.
Ao longo da sua vida, foram inúmeras as vezes que o Ruy veio à Madeira, tanto a título pessoal, como profissional.
Ruth de Carvalho, aquela que viria a ser sua mulher, era madeirense. Como tal, a ligação do Ruy e da família à Madeira é inquestionável. O Ruy quer que a Madeira seja a sua “morada eterna”.
Como Promotor desta Exposição, não posso estar mais feliz com a sua realização no Arquipélago da Madeira. 
Desta forma, a Madeira homenageia a figura maior do Teatro em Portugal.
Uma exposição com fotos inéditas da sua longa e inspiradora carreira e vida.
É o Ruy de Carvalho como nunca o vimos O ator que nos emociona.
Na próxima semana inauguramos a exposição na Ericeira, onde irá ficar até dia 7 de maio.
Se não chegar muito tarde a Lisboa, ligo-te.
Embora sejas menina para atender o telefone mesmo de madrugada.
Bjs

Querido neto,

Vocês não param. Fico estafada só de ler as tuas cartas. Nunca sei onde andam. Por falares em telefonemas de madrugada deixa-me partilhar contigo uma situação que me aconteceu, recentemente. 
Eu tinha adormecido tarde, quando a campainha do meu telefone toca pelas 5 da manhã. Só um número, sem nome.
Sem tempo para dizer fosse o que fosse, oiço a voz entaramelada de um velho a chamar «ó Inácia, é o Casimiro, vem para cá depressa!».
«Enganou-se no número», digo eu, mas ele nem me ouve, e continua, «depressa, Inácia, é o Casimiro, vem já para cá!».
Pela terceira ou quarta vez digo-lhe que se enganou e só então ele parece compreender que algo de estranho se está a passar.
«Mas eu preciso da Inácia, diga-lhe para vir!».
Não vejo outra saída senão perguntar-lhe o telefone dessa tal Inácia, e lá estou eu às 5 da manhã a ligar para uma pessoa que não conheço e que me atende com voz de poucos amigos, «isto são horas de ligar a uma pessoa?».
Tento explicar-lhe mas assim que falo em Casimiro ela fica aflita, «ai não me diga que lhe deu outro ataque! E agora como é que eu vou para lá, a esta hora?».
Sem entender muito bem o que estou a fazer, (a Inácia de certeza que não mora na Ericeira…) peço a morada à Inácia, e digo-lhe que vou chamar um táxi. «Mas por favor, antes de vir fale com a Teresa». Fico a saber que a Teresa é filha da Inácia. Ligo para o Sr. Carlos, que é o taxista da Ericeira que me costuma levar para Lisboa – mas nunca às 5 da manhã… – e, depois de lhe pedir muita desculpa, dou-lhe a morada dessa tal Teresa.
Ligo para essa Teresa que, evidentemente me pergunta «mas quem é a senhora?».
«Isso agora não tem importância», digo eu, «é só para saber que o táxi daqui a meia hora está aí!».
Tenho em cima da mesa de cabeceira o papel onde tomei nota dos números todos. Sou bem capaz de ligar a saber notícias do Casimiro. E da Inácia. E da Teresa.
Cá vos espero.
Bjs