Moralidade e comida

‘Ou há moralidade, ou comem todos’. Não conheço a origem deste adágio e, confesso, sempre o achei pouco contraditório: afinal a moralidade consiste (ou pode consistir) em comerem todos pela mesma medida.

com a crise, a austeridade e o debate sobre a distribuição dos sacrifícios que ela envolve pelos diferentes grupos sociais, dei comigo a pensar de novo no tema. e se a ‘moralidade’ do adágio se referisse à capacidade de justificar – com razões do bem e do mal, da justiça ou da injustiça – uma distribuição desigual da ‘comida? se não for possível essa justificação, então a repartição deve ser igualitária; privar ‘alguns da comida’ deve ser feito com base em argumentos de ‘moralidade’.

a imprensa deu conta que os municípios portugueses podem agora respirar melhor, pois o oe consagrou uma parte significativa das suas reivindicações. em particular, abrandaram as restrições à contratação de funcionários e o limite ao endividamento permitido às câmaras mantém-se ao nível já existente (quase o dobro da proposta inicial do governo).

esta situação, cujo mérito em termos absolutos não vem agora ao caso, contrasta com a das universidades, também elas dotadas de autonomia administrativa e financeira. ao contrário das câmaras, as universidades não se podem endividar, mesmo sobre as suas receitas próprias. aliás, também não podem poupar, pois estão sujeitas a uma regra de equilíbrio anual de caixa que as impede gastar eventuais excedentes acumulados. as universidades, numa violação da sua autonomia financeira, não podem usar fundos próprios para, por exemplo, contratar um jovem monitor durante seis meses a tempo parcial para um projecto de investigação (num encargo total inferior a 1.000 euros) sem autorização da tutela.

nada tenho, em princípio, contra que se alivie o garrote financeiro das autarquias. tenho tudo contra o tratamento desigual das universidades, sem que para tal tenham sido produzidos os tais argumentos de ‘moralidade’. quando assim é, ficamos com a sensação que o que está em jogo é a diferença de votos que as instituições em causa representam. ou, talvez, a importância de se chamar ruas e não rendas.