NEOM. Cidade do futuro ou ficção científica?

Uma linha espelhada com 170 km de comprimento rompe o deserto: uma cidade verde, sem automóveis, totalmente assente em energias renováveis. Mas será a futurista NEOM um projeto viável, ou apenas um devaneio assente “numa fé cega no poder da tecnologia”?

Uma linha reta reluzente que começa nas margens do Mar Vermelho e corre ao longo do deserto até às montanhas. Aquilo que visto de cima parece um canal ou uma estrada, ao nível do solo revela-se uma cidade como nunca se viu. O novo megaprojeto saudita, recentemente apresentado pelo príncipe herdeiro Mohammed bin-Salman, foi baptizado NEOM (um nome que combina neos, ‘novo’ em grego, e mustaqbal, a palavra arábica para ‘futuro’) e tem como espinha dorsal dois edifícios paralelos. O que impressiona, além do facto de tudo ser construído de raiz sobre a areia, é a escala: cada um desses edifícios tem 500 metros de altura (o único arranha-céus dos EUA acima dessa marca é o World Trade Center One, com 540m) e estende-se por 170 quilómetros. O conjunto, com um total de 200 metros de largura, é envolvido por uma superfície espelhada. Quando estiver concluído, terá capacidade para alojar nove milhões de habitantes, num país com uma população de 35 milhões.

“Este projeto vai desafiar as cidades planas, horizontais e criar um modelo para a preservação da natureza e melhoria da habitabilidade humana”, defendeu bin Salman. NEOM aposta na tecnologia de ponta, e deverá funcionar exclusivamente com energias renováveis não poluentes. Não haverá automóveis – uma particularidade curiosa num país que deve a sua riqueza aos combustíveis fósseis – e todas as ligações se farão através de uma linha ferroviária de alta velocidade. “The Line vai resolver os desafios que a humanidade enfrenta hoje na vida urbana e irá brilhar como um farol para modos de vida alternativos”, vaticinou bin Salman.

Está previsto um investimento de 500 mil milhões de dólares (486 mil milhões de euros), divididos entre as autoridades sauditas e investidores tanto nacionais como estrangeiros. Inserida no plano Saudi Vision 2030, para diversificar a economia e torná-la não dependente do petróleo, a cidade terá também zonas comerciais, escritórios, uma marina, uma central de hidrogénio verde e 6500 hectares de áreas agrícolas.

As imagens divulgadas pelos promotores do projeto mostram não apenas uma arquitetura futurista como muitas áreas verdes inseridas nos próprios edifícios, num ambiente que combina harmoniosamente tecnologia e natureza.
Mas será a vida em NEOM tão idílica como prometem as renderizações geradas por computador? Muitos acreditam que a megacidade no deserto constitui um devaneio que a tecnologia disponível não consegue acompanhar. Segundo o Wall Street Journal, os planos de bin Salman incluíam propostas fantasistas como criadas-robô, automóveis voadores e até uma gigantesca lua artificial.

Ao diário israelita Haaretz, o arquiteto e historiador Eliyahu Keller mostrou o seu cepticismo: “Este projeto tem por trás uma fé cega no poder da tecnologia para resolver os problemas da humanidade. São imagens que se encaixam na concepção popular de como deve ser o futuro – reluzente, cintilante, cheio de néones. Nem sequer colocam a questão de porquê ir para este lugar, para o deserto, ou que tipo de comunidade deveria lá estar”, objetou.

O desrespeito dos direitos humanos na Arábia Saudita também suscita críticas. Segundo a CNN, em março teve lugar a maior execução em massa das últimas décadas no país, que pôs termo à vida de 81 homens. Aliás, o próprio príncipe herdeiro viu o seu nome envolvido no homicídio chocante do jornalista Jamal Khashoggi, o que levou os conselheiros do projeto, o empresário Daniel L. Doctoroff e o arquiteto Norman Foster, a afastarem-se.

As condições de vida dos trabalhadores de grandes empreitadas como esta, quase reduzidos a escravos, são outra preocupação.

Quase cinco anos depois de o projeto ter sido anunciado, apenas dois pequenos edifícios estão construídos. A conclusão da primeira fase, inicialmente prevista para 2025, foi adiada por cinco anos. E mesmo a meta de 2030 parece pouco mais do que uma miragem.