Noiserv: A melancolia não tem de ser triste

Almost Visible Orchestra é o novo disco de Noirserv e amplia o imaginário onírico do músico.

há quem diga que a música de noiserv é triste. mas david santos, o músico que a faz e se ‘protege’ no alter ego noiserv, não concorda. ou, pelo menos, não a sente assim. «melancolia não é necessariamente tristeza», diz, acreditando que a sua música não deixa ninguém deprimido. na hora de compor, a única premeditação é transportar o ouvinte para um estado mais introspectivo, semelhante ao que o próprio músico gosta de atingir quando ouve canções alheias. «só sinto uma canção minha como terminada quando ela me transmite esse espírito mais melancólico e me arrepia. é uma coisa que me toca mais, até, do que a felicidade pura», comenta.

almost visible orchestra, o seu novo trabalho, reúne então dez faixas impregnadas dessa génese melancólica. mas há muito mais mundo para lá disso nestas canções. não é de propósito que david lhe chama um disco «mais denso» do que os anteriores – one hundred miles from thoughtless (2008) e a day in the day of the days (2010).

quando iniciou a composição – que foi sendo sucessivamente adiada por causa das várias solicitações que teve para trabalhar em cinema (no filme josé e pilar) e teatro (com rui horta e marco martins) – david assumiu deliberadamente que queria tentar ser o mais complexo possível, enchendo «ao máximo o som até sentir que não cabia mais nada». «há músicas com 60, 70 melodias diferentes, como se tivessem 70 instrumentos a tocar ao mesmo tempo», explica, justificando igualmente o título do disco. «quase que se ouve uma orquestra, mas ela não está lá porque sou eu que toco tudo. mas é como se estivessem não sei quantos ‘eus’ pequeninos, cada um com o seu teclado a fazer um loop e isso, visto ao longe, fosse quase como uma orquestra a tocar».

autobiografia musical

ao impor-se este desafio, david originou outra mudança. o imaginário onírico, fantasioso e a nostalgia infantil estão cá, mas agora estão mais musculados. daí, também, a capa de almost visible orhestra ser bastante colorida (ao contrário dos dois registos anteriores, a preto e branco) e em forma de puzzle, com a ilustração da cara de david a poder ser montada de frente, de costas, construída e desconstruída. «estas canções são quase uma autobiografia musical e como trabalho sozinho lido muito com uma certa ambiguidade em que, um dia gosto muito do que tenho e, no outro, não gosto nada. para mim, a composição tem muito esse lado de dramatismo e dificuldade e, como estas canções foram feitas a partir de rascunhos que já tinha há dois, três anos, achei que o puzzle ilustrava o processo de criação deste disco».

o resultado é um disco cheio de subtilezas, que consegue alcançar o objectivo proposto pelo seu criador: envolver o ouvinte num estado de alma contemplativo. nas lojas a partir desta segunda-feira, dia 7, e noiserv vai andar em digressão pelo país. as próximas datas são 12 de outubro em coimbra e 18 no porto.

alexandra.ho@sol.pt