Notas

O Diário de Notícias desencantou esta semana um analista financeiro português que trabalhou para a Fitch, uma das quatro agências de rating que dominam o ‘mercado das notas’. João Ferreira Marques (JFM) faz um conjunto de observações ao arrepio do sacrossanto consenso que agora é de bom tom professar-se.

que nos diz ele? primeiro, que «lixo» é «um conceito norte-americano que se refere a investimento especulativo». nem deveria ser novidade. em tese, quanto mais baixa é a taxa de juro oferecida por um investimento, mais seguro ele é para efeitos de reembolso. ao invés, se o retorno é arriscado, mais elevado fica o prémio do risco. quando as agências atribuem ‘bês’ ou ‘cês’ aos produtos financeiros que classificam, não estão a dizer que eles são «maus», mas que se encontram, pelo desafio que oferecem, na categoria de ‘investimento especulativo’. é o que sucede com as dívidas soberanas da grécia, de portugal e da irlanda. tanto bastaria, aliás, para que elas fossem objecto de uma auditoria.

porque se um estado deve cumprir as suas obrigações, é discutível que entre elas se encontre o pagamento da componente especulativa incorporada nos juros… principalmente se é o contribuinte quem paga.

jfm diz-nos, em seguida, que «que portugal pagar para ter rating é uma tolice, porque as agências iriam sempre dá-lo a um país da ue». o analista está de novo cheio de razão. uma empresa pública que lance obrigações para se financiar precisa de notas e paga por isso. mas o mesmo não sucede com os estados. há meses propus, sem sucesso, que a comissão barroso sugerisse aos governos que retirassem as respectivas dívidas das avaliações de mercado. por um lado, quem as adquire e as revende são investidores institucionais com meios para avaliarem os riscos que correm; por outro lado, as informações relevantes sobre as contas nacionais são diariamente escalpelizadas pela comunicação e opinião especializada. não lembra ao diabo alguém pagar para se tramar, mas isso acontece com alguns países…

finalmente, jfm sustenta que «as agências andam atrás do mercado» – e não à sua frente – e que «é uma ideia ridícula achar que uma agência europeia pode substituir outras». de facto, o que o recente consenso ‘anti-agências dos ianques’ traduz é a vontade de financiar com os nossos impostos o arranque de uma nova agência europeia ‘independente’, ou seja, privada. se assim é, ela terá de lutar por quotas de mercado com os mesmos argumentos das suas concorrentes. mas então porque se devem usar recursos públicos para isso? como evitar, nesta hipótese, a acusação de concorrência desleal em favor do consórcio que já se deve encontrar em formação? na verdade, só se justifica uma agência europeia se esta for pública e incidir exclusivamente na avaliação de dívidas soberanas.