Oficina do Alfredo: Slow toys na era da internet

Os brinquedos da Oficina do Alfredo contrariam o espírito do tempo, mas têm feito sucesso. São construídos em madeira e convidam os pais a brincar com os filhos. O seu autor, Hélder Gandra, garante: «Não registo nada e nunca tive medo que me copiassem».

quando hélder gandra, de 36 anos, completou a licenciatura em engenharia civil, a sua mãe ficou «toda contente». mas esperava-a um balde de água fria: «disse-lhe que não ia mandar currículos, primeiro ia tentar que os brinquedos dessem certo», recorda hélder. assim nasceu a oficina do alfredo (www.facebook.com/oficinadoalfredo), um projecto sediado em são pedro da cova – uma freguesia de gondomar – que pretende voltar a tornar populares os brinquedos em madeira que caíram em desuso nas últimas décadas.

o nome da marca foi inspirado no pai de hélder gandra, que trabalha em madeira desde criança e que mantém um espaço, nas traseiras da casa da família, onde foram feitos muitos restauros e de onde agora saem estes brinquedos. «os meus avós tinham uma oficina de marceneiro e todos os irmãos aprenderam a arte. o meu pai, que agora trabalha numa fábrica de móveis, não foi excepção. ele trata a madeira por tu», explica. alfredo gandra não contava é que o filho fizesse perdurar esta tradição familiar.

«um dia, sem nenhuma razão em especial, ele fez um brinquedo. instintivamente, algo me disse que deveria continuar a fazê-lo, porque eles já rareiam. incentivei primeiro o meu pai, que fazia os modelos que eu desenhava, e ao mesmo tempo fui melhorando as minhas capacidades, para trabalhar sozinho. comecei a pensar se algum dia poderia levar isto para a frente». a ‘brincadeira’ começou há uns seis anos e tornou-se mais séria há cerca de dois. «crescemos um bocadinho, o que nesta altura não é fácil. tenho sustentabilidade e esperança no futuro. para saber se podia singrar tinha de me dedicar a 100 por cento e sou feliz porque tenho liberdade criativa».

o artesão diz inspirar-se nas formas geométricas e na sua proporcionalidade e recusa a nostalgia: não copia modelos antigos, nem brincou com objectos de madeira em criança. além disso, hélder gandra recusa registar as suas criações: «desenho um primeiro modelo numa folha de papel, mas não guardo ficheiros. fecho os olhos e deixo a intuição trabalhar. não registo nada e nunca tive medo que me copiassem, até agradeço que me dêem motivos para fazer algo diferente e mais bonito».

turistas encantados

a oficina do alfredo faz a fatia de leão do seu negócio em feiras e mercados de rua, que têm florescido no porto nos últimos anos. é aí que vai mantendo contacto com turistas estrangeiros. dessa interacção resultou até a expressão slow toys (inspirada no conceito de slow food, comida com história e raízes locais, por oposição à fast food). «é aí que recebo feedback e percebo que tenho um produto com potencial. quem se mostra mais encantado são as pessoas de grandes metrópoles, como hong kong, tóquio e cidades americanas. depois de falarem comigo, perceberem a autenticidade e o toque do objecto, até querem que assine a peça e tire uma foto. os orientais estão habituados à estética industrial, exageradamente perfeita, do ipad e afins, mas quando vêem um cavalinho em pinho ficam encantados».

a maioria das peças custa entre cinco e 25 euros e hélder gandra tem uns 18 modelos à venda: veículos (carros de várias cores, ambulâncias, tractores), aviões e robôs articulados estão entre os mais populares. devido ao seu maior custo, os apelativos cavalinhos são feitos por encomenda. há ainda um pião com bico em madeira – pode por isso pode ser jogado em casa – que o artesão adaptou a partir de um modelo trazido do méxico. «as peças têm de ter uma estética apurada e uma elevada jogabilidade. são muito simples, mas podem sempre ser alteradas. hoje em dia, as pessoas estão habituadas a carregar num botão e o brinquedo faz tudo. isto obriga os pais a pegar num pincel e em tintas, sentar-se ao lado do filho e redecorar a peça com ele». aliás, se um dia tiver verbas para marketing, hélder já sabe qual vai ser o primeiro slogan: ‘brinquedos simples=crianças mais criativas’. «os brinquedos têm de aproximar gerações, senão os pais tornam-se meros pagadores do brinquedo. quem preferir essa postura não me vai comprar brinquedos», assegura.

outra das grandes preocupações é a sustentabilidade. hélder gandra considera que estes são «brinquedos para o futuro», porque podem ser reparados. «se um brinquedo é muito tecnológico mas deixa uma pegada ecológica grande, então não tem futuro, tem de ser eliminado. quando faço uma reparação e vejo a alegria da criança, percebo que estou no caminho certo. cria-se uma ligação de afecto». a matéria-prima (madeira) abunda em portugal, o know-how, através do pai, é gratuito; hélder gandra só espera que haja cada vez mais crianças a passar pela sua banca e a encantar-se por estes brinquedos de cores vivas, com um aspecto «amigável» e que, quase sempre, têm desenhado um sorriso.

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