P.A.S.A.

A notícia chegou num dia de grande agitação (a celebração antecipada da vitória do campeonato nacional de futebol pelo Benfica) e passou um bocadinho despercebida por entre todas as outras notícias. Esgueirou-se, mas ainda assim manteve-se apenas com um par de linhas debaixo do cabeçalho: ‘Morreu António Augustus’. A pobreza de todos os corpos de…

Muito resumidamente, a carreira de António Augusto terá começado por acaso com a abertura de uma boutique em Luanda, onde descobriu que a sua vocação seria a Moda. Rumou a Londres para tirar um curso de formação e foi discípulo no atelier Kenzo, em Paris, tudo isto ainda antes da Revolução, que o trouxe de volta para Lisboa onde assumiu o nome Augustus e abriu as suas primeiras lojas em 1975.

Diria que Augustus é um daqueles criadores que, à entrada do novo milénio, ficou para trás. Não porque tivesse deixado de ser interessante ou por falta de actualidade, mas porque pertencia a uma liga veterana face a um mercado em plena transformação. E o ter ficado para trás nem sequer significou falta de pujança, muito pelo contrário, significou apenas que a opção comercial e criativa se voltou para a consolidação de uma opção estética única, voltada para um público fiel.

Augustus é um dos grandes do nosso contexto por ter feito parte do grupo de pioneiros que quis fazer Moda num país em profunda transformação, completamente novo, recém-saído de uma ditadura, com graves problemas de identidade colectiva e pouquíssimo poder de compra.

Vários dos relatos sobre lojistas, industriais, donos de marcas e costureiros portugueses remontam a negócios em Luanda, onde a moda era muito mais flamboyante e divertida que no continente, onde quase ninguém usava mini-saia ou biquíni. Os tempos eram outros e o contexto social e político também.

O regresso de Augustus a Portugal fez dele um dos primeiros criadores com a sensibilidade necessária para problematizar todo um novo momento na vida feminina de uma nação: dar respostas às questões das novíssimas mulheres emancipadas e activas, recém-entradas num mercado de trabalho dominado por homens. O pronto-a-vestir não satisfazia e Augustus deu a resposta ao primeiro ‘o que é que vou vestir para trabalhar?’ de uma geração. Augustus foi uma das primeira figuras a desbravar o mercado da Moda nacional. E fê-lo sem necessidades de afirmação ou problemas de índole territorial, porque sempre teve a sua identidade, o seu estilo, e acima de tudo, os seus exclusivos. Não será, então, de espantar, que entre as suas mais famosas e fiéis clientes estivessem muitas top working women portuguesas.

Não é novidade nenhuma que a Moda é a parente pobre de todas as artes e de quase todos os sectores, e que quem pensa, não o faz sobre Moda. Porque é redutor. Num país em que as Artes são frequentemente chutadas para canto, acho consequente que se faça o mesmo com a Moda e com o seu impacto social, o qual não tem interesse aparente para a economia ou para o desenvolvimento do país. Não poderia discordar mais. E não é preciso reflectir muito ou aproveitar estes tristes acontecimentos e pensar sobre porque é que a notícia da morte de Augustus foi tão vazia de conteúdo e tão sucinta, com tão poucas referências e tão poucas opiniões e tão pouco tudo: pela não importância que se insiste atribuir aos sectores de actividade aparentemente acessíveis a todos, mas que excluem quem não se esforça para os compreender.

Uma das pessoas com quem mais aprendo, ensinou-me uma coisa que alterou drasticamente a minha forma de estar no mundo do tão famoso supérfulo ao qual se me associa; ensinou-me que aquilo sobre o que nos debruçamos, seja lá o que for, tem de ser visto e explorado como essencial. A Arte é tão importante como a Medicina para o desenvolvimento das sociedades. A Moda idem. Respeito muito o trabalho e o legado de quem assume esta premissa para construir uma carreira. E Augustus fê-lo, ao longo de mais de 40 anos, sempre com a discrição e elegância que lhe eram próprias. Ficam para sempre as suas criações e as memórias de quem triunfou a usar Augustus.

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