Pangolim. A salvação do bicho mais traficado no mundo

Pouco conhecido na Europa, mas um sucesso na China. O pangolim está quase a desaparecer e é o animal mais traficado no mundo – seja pela carne que é cobiçada pelos chineses, seja pelas escamas usadas na medicina tradicional chinesa para tratar artrites ou aumentar o desejo sexual. Este animal foi agora associado ao coronavírus…

O corpo do pangolim é coberto de escamas e as escamas são feitas de queratina, como as unhas. Tem uma língua tão comprida como o corpo e é o parente mais próximo do urso e do cão.  É tímido e louco por formigas. Assim é o animal cuja forma é comparada a um dinossauro T-Rex. Se a caça ilegal não abrandar, o pangolim pode desaparecer nos próximos anos – e não restará na Terra nenhum animal parecido. 

Acontece que o coronavírus pode ser a sua salvação. É que, segundo uma equipa de investigadores chineses, o vírus que já matou mais de mil pessoas na China pode ter sido transportado por este animal. E agora os chineses, que sempre foram fãs da carne de pangolim, não a podem comer, muito menos traficá-la, como fizeram nos últimos anos. Aliás, este é o mamífero mais traficado no mundo. Na década de 90, soaram os alarmes e este animal foi colocado, oficialmente, na lista das espécies em vias de extinção. Tudo pelo excesso de caça. Quando está assustado, enrola-se sobre si, mas isso não o salva dos caçadores ilegais e todas as oito espécies que existem – quatro africanas e quatro asiáticas – estão em risco de extinção.

Na semana passada, os investigadores da Universidade de Agricultura do sul da China avançaram com a hipótese de o pangolim ter sido o «hospedeiro intermediário», facilitando a propagação do vírus, que terá tido origem no morcego. Apesar de os cientistas terem identificado genomas do coronavíruas que são 96% idênticos aos identificados nos morcegos, o vírus não saltou diretamente do morcego para o humano – precisou de um intermediário que, suspeita-se agora, tenha sido o pangolim. Para ajudar ao raciocínio, na cidade de Wuhan, o epicentro do coronovírus, são comercializados pangolins vivos que aguardam um comprador dentro de pequenas gaiolas. Por este motivo e, por agora, o Governo chinês proibiu o comércio de animais selvagens – seja, criação, transporte ou venda – e todos os mercados de animais selvagens estão encerrados temporariamente. 

No início deste século, quando surgiu a epidemia de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS, em inglês), também foi identificado um hospedeiro que transmitiu a doença aos humanos. Na altura, o pangolim fez parte da lista de hipóteses, mas acabou por ser afastado. O responsável pela propagação da SARS foi a civeta, um animal cuja carne é igualmente apreciada pelos chineses. Em 2003, as autoridades proibíram o consumo da carne de civeta, como está a acontecer agora com o pangolim. 

Escamas cobiçadas

A receita tem poucos passos. Primeiro, são tiradas todas as escamas ao pangolim para torrar. Depois, o material é moído, transformando-se em pó. O último passo é misturar ervas. Ainda que não existam bases científicas que comprovem a eficácia do uso das escamas do pangolim na área da saúde, a medicina tradicional chinesa usa-as para tratar artrites, reumatismo, para promover a amamentação ou até para aumentar a virilidade masculina. Estes tratamentos não são proibidos pelo Governo chinês e, todos os anos, a indústria farmacêutica utiliza em média 26,6 toneladas de escamas – o equivalente a cerca de 73 pangolins, segundo a Fundação para a Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Ecológico da China. 

Apesar das proibições declaradas ao longo dos últimos anos, a indústria farmacêutica recorre a escamas que armazenou antes de o pangolim ser considerado uma espécie em vias de extinção e à importação das mesmas de países onde ainda não é proibida a sua caça. No entanto, não existem dados que provem que este material não é obtido por vias ilegais. Aliás, na sequência deste apetecível negócio, em maio do ano passado, um cidadão chinês foi condenado a 20 meses de prisão por contrabandear 48 quilos de escamas de pangolim. E estima-se que cerca de 30% das apreensões de escamas feitas mundialmente tenham como destino a China. 

Na última década, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza, registou-se um elevado crescimento do comércio internacional dos pangolins, sobretudo das suas escamas. Especificamente na China, entre 1994 e 2014, este país importou cerca de 15 toneladas de escamas.

Este domingo celebra-se o Dia Mundial do Pangolim e 2020 pode marcar uma nova era na recuperação da espécie. A propósito, Zhou Jinfeng, director da Fundação para a Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Ecológico da China, disse esta semana em entrevista à CNBC que a China deveria aprovar uma lei de conservação da biodiversidade já em 2020, sobretudo porque será brevemente sede de uma conferência da Organização das Nações Unidas sobre biodiversidade.