Pedigree vs Rafeiros. Qual o “fascínio” pelas raças puras?

O que há de apelativo nos cães com pedigree? O que leva alguém a tornar-se criador e qual a magia dessa atividade? Estaremos perante a vontade da “manutenção de uma raça”, ou os animais, tal como nós humanos, “não têm preço”?

“Quanto mais conheço as pessoas, mais gosto do meu cão”, dizia, com um misto de ironia e pessimismo, o escritor americano Mark Twain. São muitos os que, desiludidos com a natureza humana, acabam por dedicar todo o seu afeto aos animais. Consideram os cães, com a sua fidelidade a toda a prova, a melhor companhia que se pode ter na vida. Mas também há quem fique perplexo ou assustado com esta equiparação entre o afeto por um animal e por um ser humano.

De acordo com os dados de julho de 2020 do estudo TGI da Marktest, mais de três milhões e 200 mil pessoas referiram ter em casa um ou mais cães, o que corresponde a 37,6% do total de residentes no Continente com 15 ou mais anos. Apesar de algumas oscilações, a existência destes animais de companhia nos lares portugueses tem vindo a aumentar. A oscilação mais visível foi, sobretudo, entre 2013 e 2016, estabilizando em julho de 2020 com 37,6%, um valor um pouco abaixo do registado em 2019 (38,5%) e igual ao observado em 2018. Mas dentro dessa paixão pelos animais de quatro patas existem “ramificações”. Há quem queira contribuir para a “manutenção de uma raça”, fazendo criação, vendendo, ou levando os seus espécimes perfeitos a exposições e campeonatos; por outro, há quem defenda que “um animal nunca pode ser vendido”. Mas porque é que as pessoas procuram cães com pedigree? Qual o especial encanto dos cães de raça “pura”? E, do outro lado, qual o ponto de vista das pessoas que não aceitam a “mercantilização” dos animais?

O Spitz Alemão “O pedigree é nada mais nada menos do que um documento que comprova que o animal é de determinada raça e contém a sua árvore genealógica”, começa por explicar ao i Patrícia Azevedo, médica veterinária do Centro veterinário de Adaúfe. “É uma forma de a pessoa que compra o animal ter uma garantia de que de facto aquele cão vai corresponder na idade adulta ao que a pessoa procura, dado que, normalmente, quem compra determinada raça o faz porque procura determinadas características”, acrescenta. Segundo a especialista, se o cão for comprado como sendo de determinada raça mas não o for, existe uma forte probabilidade de o animal desenvolva outras características que não as pretendidas ou esperadas. O pedigree é, portanto, uma “garantia” de que o cão que está a ser adquirido vai ao encontro do que se espera dele em adulto. E, ao que parece, são muitos aqueles que começam precisamente por se apaixonar pelas raças, decidindo depois embarcar na criação.

“Isto para mim é mesmo amor, porque nós não temos vida. Para programar as minhas férias, tenho de fazer mil e um planos. Não posso levá-los todos comigo, os hotéis não aceitam, nem sempre temos pessoas que nos possam dar auxílio. Quem está nesta área, ou está por gosto, ou então tem de ter empregados… Eu tenho uma profissão, não trabalho só com isto e às vezes é complicado. Se quero ir de férias numa determinada altura, já sei que não posso ter uma ninhada nessa data. Se houver alguma menina com o cio tenho de ponderar se ‘cruzo’ ou não. É sempre um stress”, explica Deolinda, de Aveiro, de 49 anos, criadora “amadora” da raça Spitz Alemão. A escriturária de profissão não tinha tido qualquer experiência com qualquer raça antes de conhecer os cães de origem alemã, pequenos e peludos. Foi numa exposição de animais de quatro patas, em Espanha, que contactou com eles pela primeira vez e não foi preciso pensar muito até perceber que queria ter um. “Fui falar com as donas, que eram espanholas, perguntei o preço, mas não comprei porque, na altura, era incomportável. Mas fiquei com aquilo na cabeça. Encontrei depois um criador, em Lisboa, e consegui comprar dois cachorrinhos para mim, a 1500 euros cada um”, revela a criadora. Entretanto uma amiga sua pediu-lhe para quando tivesse uma ninhada lhe cedesse um dos cães. “A minha cadela teve três, dei-lhe um, fiquei com outro e vendi o outro. Foi assim meio à sorte”, recorda.

O que atraiu Deolinda, “logo à partida”, foi o facto de ser um cão pequeno e bastante peludo. “É um cão que realmente chama a atenção. Nós andamos com ele na rua e as pessoas olham e querem dar festinhas”, admite. Depois, argumenta, é “muito dócil, muito meiguinho”. “É muito social, mesmo com os outros animais, não tem aquele cheiro característico a cão e, por isso, se for minimamente escovado não é preciso estar a dar banho de inverno. É também um cão independente, não procura constantemente a nossa atenção. Tem todas essas características que me cativaram, até porque, nessa altura, tinha crianças e é o cão ideal para ter em casa”, lembra Deolinda, que recentemente “teve” mais duas “meninas”, uma cor “orange sable” e outra “orange red”, mais avermelhada. A criadora admite que o que mais gosta é precisamente esse “jogo de cores”: “Gosto de ver com que cor vão nascer, aquela coisa de: ‘será que se eu cruzar esta menina com este menino me vai dar a cor x?’. Eu, por exemplo, gosto muito dos cremes, do chocolate… Ando aqui a tentar ver se consigo ter um, mas ainda não saiu nenhum. Muitas vezes também vão buscar cores passadas, da terceira geração. Isso é mágico”, defende, explicando que apesar do valor nunca ser “muito certo”, cada cachorro é vendido sempre a mais de mil euros. De acordo com a escriturária, a linhagem, a cor, o sexo e essencialmente o pelo e o tamanho, são alguns dos critérios que fazem variar os preços. Contudo, o seu objetivo não é o dinheiro. “Eles acabam por nascer e, às vezes, também acabo por me afeiçoar muito e não vendo. Fico com pena. Na realidade, acho que não devia ser criadora, porque não tenho espírito, ou então tenho e os criadores deveriam ser mais como eu”, reflete, elucidando que existem criadores em Portugal que vendem Spitzs Alemães ao dobro do preço.

“Se uma pessoa for pensar no dinheiro que ganha e, por outro lado, no trabalho que se tem, talvez não compense assim tanto”, explica, sublinhando que, no seu caso, os laços com os animais são sempre fortes. “Por exemplo, quando elas estão a parir, não dormimos… Elas dormem comigo no meu quarto nessa noite, para eu ter noção de quando entram em trabalho de parto. Quando não amamentam ou se não tiverem leite, eu tenho de acordar de duas em duas horas para dar o leitinho aos bebés. Isto é a mesma coisa que ter uma criança. Não é só ganhar dinheiro. Dá mesmo muito trabalho”.

Epagneul Pequinês “Sou completamente apaixonada por animais, em particular por cães. Desde muito nova, e sendo filha única, dizia aos meus pais que queria ser advogada quando fosse grande, mas que entretanto gostava muito de ter um cãozinho para me fazer companhia. Mas não era um cãozinho qualquer… Era um Pequinês!”, lembra ao i Jéni Cruz, de 46 anos, advogada. Também desde muito nova, a sua mãe era apaixonada pela raça e “passou-lhe o testemunho”. Uma das suas tias conseguiu, há mais de 40 anos, dois exemplares da raça e posteriormente um bebé com o qual os seus pais a presentearam no Natal antes de fazer seis anos. “Adoro tudo no Pequinês, mas a personalidade é o que mais me fascina, sendo certo que o aspeto físico é fabuloso, eles são lindos”, explica. Como costuma dizer que adora “tudo o que tenha focinho achatado”. “Isso traduzido em miúdos significa que sou fã de raças braquicéfalas”, aponta.

Para Jéni, as vantagens de adquirir um destes animais a um criador são claras. Depois da venda, “um criador que se preze acompanha todo o processo mencionado e faz questão de acompanhar o desenvolvimento desses bebés e as famílias onde aqueles se inserem, no intuito de perceber se o crescimento do bebé cumpriu com as expectativas que motivaram a cruza e de partilhar o seu conhecimento e apoiar quem valorizou o seu trabalho e que muitas vezes pretende dar-lhe seguimento”. “Só assim se faz um trabalho completo, até porque não vamos deixar os nossos bebés por mãos alheias, é muito importante perceber quais os objetivos das famílias que pretendem adquirir, para sabermos adequar cada um deles à sua família”, explica a advogada.

No que toca ao preço, conta, “certo é que as pessoas que procuram cães para comprar, procuram os três bês – bom, bonito e barato – não estão dispostas a pagar para adquirirem o cão da raça que querem”. Contudo, “existem também aquelas que sabem muito bem aquilo que querem, que são conhecedoras da raça que pretendem adquirir, das linhagens que gostariam e claro está, já dispostas a pagarem um preço ligeiramente mais elevado para conseguirem os seus objetivos”. É justamente isso que está na origem daquilo a que chama “dicotomia de preços”: “Nós encontramos cães destes para venda por exemplo a 100 euros e outros a 3000 euros. Logicamente existirá diferença entre eles, principalmente se forem da mesma raça e essa diferença será notória, mas tudo depende do bolso de cada um. Até há quem diga que comprou um cão de determinada raça e quando vamos avaliar não passa de um cão sem raça definida”.

15 anos, 15 cães Ricardo Pereira, cabeleireiro e auxiliar veterinário de 41 anos, não cria apenas uma raça. Tendo neste momento 15 cães de três raças diferentes: o Dogue Alemão, o Chihuahua e ainda o grande Whippet, um cão esguio tipo galgo. “Comecei há 15 anos com Boxers e, neste momento, tenho 15 cães. Na altura, tive duas cadelas e só tive uma ninhada de cada uma delas. Por piada, por criação. Tinha duas meninas e gostava que elas tivessem bebés. Depois, passei para os Dogues Alemães, que tenho até hoje. Sempre gostei”, confidencia ao i. Os Whippet vieram depois. “Um amigo fazia criação e uma vez pediu-me que ficasse com alguns na minha casa – porque tanto ele como eu fazemos exposições e o meu principal objetivo com a criação é precisamente esse – e eu apaixonei-me pela raça. Ofereceu-me uma menina e, neste momento, tenho três”, conta. Em Portugal, os Chihuahuas vão dos 300 euros aos 700, os Dogues Alemães, de 600 aos 1000, e os Whippets podem chegar aos 1300 euros.

Segundo o auxiliar de veterinário, os valores dependem muito dos prémios que os cães tenham, dos pais. “Eu, pelo menos, não tenho valores definidos. Depende da pessoa que o compra, também. Não vendo todos, há uns que vão para casa de amigos… Não faço ninhadas, como muitos criadores, umas atrás das outras… As minhas cadelas parem uma vez na vida toda. Isto é uma paixão e um hobbie para mim. O dinheiro que ganho é para eles. Para ir a uma exposição gasto mesmo muito dinheiro. É mesmo uma paixão”, frisa Ricardo. Por norma, acrescenta, “os cães mais pequenos podem parir uma vez por ano, até aos oito anos” e, os cães maiores podem parir a partir dos 18 meses, até aos oito anos”. “Uma cadela que vá parir oito vezes a vida toda, de certeza que não está bem. Não concordo. Supostamente não faz mal, mas não concordo. Só tenho uma cadela que pariu três vezes, porque é uma cadela fantástica e eu queria ficar com bebés dela”, revela.

Mesmo depois de vender os cães, Ricardo faz questão de continuar a acompanhar o seu percurso, se as famílias assim o permitirem: “Sempre! Aliás, deixo as pessoas sempre à vontade para, se houver algum problema, me ligarem. Ainda por cima conheço muitos veterinários. Prefiro mesmo acompanhar os animais. Quero sempre ajudar de alguma maneira. No caso de já não os querer por alguma razão, quero que voltem para mim. Vieram lá de casa, podem regressar sempre lá a casa”, defende.

Pedigree vs Rafeiro Mas quais são realmente as diferenças entre os cães com pedigree e os rafeiros? O que há de tão apelativo neste “universo”? Segundo Patrícia Azevedo, “todos os cãezinhos são perfeitos à sua maneira e merecem todo o amor de uma família, independente de serem de raça, terem ou não pedigree ou serem rafeiros”. Contudo, uma das principais diferenças entre eles, independentemente de todas as características que tornam cada raça única, os cães de raça tendem a apresentar mais doenças, “uma vez que as raças se foram criando por consanguinidade entre os exemplares de forma a preservar as características da mesma”. “Ora nesse caso, é mais provável que determinadas doenças com causa genética tendem a aparecer mais”, elucida.

Já a Animalife – associação de sensibilização e apoio social e ambiental, de âmbito nacional, sem fins lucrativos, cujo objetivo é diminuir o grave problema do abandono animal, atuando a montante sobre uma das principais causas de abandono em Portugal, a vulnerabilidade económica e social das famílias – aponta como principal diferença entre animais de raça e animais de raça indefinida que nos primeiros “as características como tamanho, aparência e certos traços de caráter, são mais antecipáveis, enquanto os ‘rafeiros’ são exemplares únicos, com características físicas e comportamentais menos previsíveis, especialmente se não se tiver informação sobre a sua origem”.

Mesmo assim, explica a associação ao i, o temperamento mais previsível dos animais de raça pura não significa que todos os cães ou gatos de uma determinada raça se comportem exatamente da mesma maneira. “Os animais vão desenvolvendo o seu próprio caráter e personalidade também devido ao ambiente em que crescem. Nos animais de raça indefinida existem diferenças comportamentais muito marcadas”, aponta. Tal como explica a Animalife, além da aparência física e de certos traços de comportamento, algumas doenças hereditárias, como a surdez, displasia da anca ou degeneração da retina, são mais comuns numas raças do que noutras.

“Antes de adotar um animal, é importante ter informação sobre todas as características da raça e recorrer a criadores de confiança que realizem testes aos seus reprodutores para controlar a transmissão de doenças genéticas. Os animais sem raça definida, pelo contrário, têm geralmente uma genética de ferro, o que se traduz em menos doenças genéticas e menos problemas de saúde. Isto não quer dizer que sejam mais saudáveis do que os de raça, apenas que são geralmente mais resistentes”, acrescenta. Em seguida, refere o “fator do preço”. “Comprar um animal de raça pode representar um investimento elevado, ao passo que a adoção fica, regra geral, a custo zero”.

Segundo a médica veterinária, existem atualmente várias “raças da moda”, que vêm conquistando terreno e destaque no nosso país, entre as quais o Bulldog Francês e o Yorkshire Terrier. “Labradores e Pastores Alemães são também raças bastantes prevalentes”, acrescenta Patrícia Azevedo. Os valores podem variar, dependendo da sua origem, se têm ou não pedigree. De um modo geral, os preços do Yorkshire Terrier variam entre os 400 e os 700 euros e os do Bulldog Francês, muito conhecido pelas suas doenças respiratórias, dos 500 aos 2000 euros.

“Infelizmente, por vezes a criação de cães passa apenas por um negócio e o amor e carinho que lhes é dado passa para segundo plano”, lamenta Patrícia Azevedo. Do seu ponto de vista, “muitas vezes somos nós, os consumidores, que incentivamos a criação sem condições, ou com poucas, comprando a criadores não certificados porque vendem mais barato”, continua. “No fundo considero que existem criadores e criadores, e quando pensamos em comprar um cão de determinada raça devemos tentar aceder ao máximo de informação, e, se possível, conhecer o espaço onde os cães se encontram, pois isso também já dirá muito do tratamento ao animal. Existem criadores que merecem todo o respeito, já que proporcionam todos os cuidados que os cães necessitam e têm direito. E quando falo de cuidados refiro-me não só a cuidados veterinários, nutricionais, condições de higiene, mas também atenção e carinho”, frisa a médica.

A importância da adoção Quem tem um olhar mais crítico sobre a criação de cães de raça é a Associação Quatro Patas e Focinhos: “A nossa associação, naturalmente, não concorda com a criação, compra e venda de cães em Portugal, sendo que não consideramos um animal algo passível de ser vendido”, começa por defender Salomé Dias, presidente da associação. Defende que os animais “não se tratam de objetos, nem de nada que possa ter um preço sujeito às variações de ‘mercado’”. “Esta resposta é partindo do pressuposto que um criador tem os seus animais com todas as condições mínimas de bem-estar, saúde e cuidados veterinários”, ressalva. “Maior agravante do que a ‘simples’ venda de animais, é a crescente onda de ‘criadeiros’ sem qualquer controlo, sem garantir cuidados veterinários ou de bem-estar aos seus animais e que entrega estes cães a qualquer pessoa, sem o mínimo de controlo”, sublinha. No seu entender, se a criação de cães fosse feita no total e completo respeito por todas as necessidades dos cães e se estes não fossem usados para usufruto financeiro, não haveria perigo. “A criação de cães seria vista como forma de manutenção de raças (algumas com propósitos muito nobres) e não como um negócio”, acredita, apontando que em Portugal “não há qualquer controlo sobre quem compra cães”. “A escolha da raça é feita pelo estatuto que traz e pelo aspeto físico dos cães, sem qualquer cuidado com o temperamento, necessidades do cão e formação dos tutores. A legislação, apesar de já ter algumas melhorias, ainda está muito aquém do ideal. A fiscalização é, na maioria das vezes, inexistente”, lamenta.

Para Salomé Dias, as pessoas deveriam “deixar de parte todos os preconceitos relativos aos cães de canil/associação” e pensar que um animal sem raça definida é único, não há nenhum igual”. “Nos cães rafeiros, a esperança média de vida é maior, a sua personalidade é uma caixinha de surpresas”. Por outro lado, também considera ser necessário “pôr de lado a ideia de que um cão adulto é mais difícil de educar, porque é exatamente o oposto”. “Devemos evitar compras por impulso e em ‘criadeiros’ que não tenham o mínimo de cuidados de higiene, saúde e bem-estar animal”, acredita, apelando ao não incentivo daquele que considera um “negócio promíscuo”.

Jéni Cruz garante que a criação de cães que faz da raça Epagneul Pequinês “não é um negócio e nunca foi”, inserindo-se assim no grupo de criadores atentos à “manutenção de raças”. “Até porque não vivo dos cães, vivo para os cães. Amo do fundo do coração esta raça maravilhosa e a minha intenção é reproduzir cães de forma seletiva, procurando manter ou produzir determinadas qualidades ou características físicas, comportamentais e de saúde que considero importantes à luz do estalão [parâmetro] da raça e que se foram perdendo ao longo dos anos, com as chamadas criações de fundo de quintal”, elucida. “É aqui que humildemente pretendo deixar o meu legado para a raça, na prática de uma criação criteriosa de cães de linhagens rastreáveis, daí que me considere uma canicultora e não apenas uma criadora”, acrescenta. A advogada defende que só alguém deveras apaixonado por uma determinada raça “decide trabalhar neste patamar, onde não se procura o lucro, mas sim a melhoria da raça, a procura incessante de tudo aquilo que é benéfico para essa raça de cães”.

Tal como Salomé Dias, Jéni afirma ainda que cada vez mais assistimos a situações em que as pessoas, sem qualquer conhecimento de causa, se dedicam a criar meia dúzia, ou várias dúzias de cãezinhos por ano, para “daí retirarem proventos para o seu sustento”. “Verdade seja dita, as pessoas, pese embora tenham vidas corridas, cada vez mais procuram animais de estimação, sendo que na maior parte das vezes já assistimos a uma procura de raças específicas, o que em nada beneficia a adoção dos cães sem raça definida que existem nos abrigos do nosso país”, admite. Defende, no entanto que “o ser humano foi criado com livre arbítrio o que lhe permite ter direito de escolha”. “Aliás, um dos slogans que mais me tira do sério é o: ‘Não compre, Adopte”. E que tal deixarem as pessoas escolher aquilo que querem fazer? O ser humano dos nossos dias é muito bem resolvido, sabe de antemão aquilo que quer”, sublinha.

De acordo com a associação Animalife, a promoção da adoção “confirma-se como uma das estratégias fundamentais para reduzir a população de animais abandonados”. Contudo, em Portugal os números são ainda desanimadores.

“As associações de apoio animal e os Centros de Recolha Oficial (CRO) encontram-se sobrelotados, sem capacidade para acolher novos animais e multiplicam os esforços para encontrar famílias que queiram dar uma nova casa aos muitos cães e gatos que ali são deixados”, explica, alertando para que “ao não ser adotado, um animal de companhia fica condenado a passar o resto dos seus dias num abrigo”. Por mais boa vontade e dedicação que os cuidadores destes espaços tenham, “a atenção acaba por ter de ser dividida por muitos”. Além disso, continua a associação, a permanência de um animal nas instalações de uma associação ou CRO “impede essa entidade de ajudar mais animais”. “A participação dos cidadãos é fundamental para lutar contra este problema!”, defende a Animalife.

As raças mais famosas No verão passado, o site HouseholdQuotes realizou um estudo para saber qual a raça de cães mais popular em cada país do mundo. Começou por criar uma lista de nomes de raças de cães e traduziu-os para diferentes idiomas com a ajuda das páginas locais da Wikipedia e do site dogtime, recolhendo depois os dados mensais da pesquisa do Google para cada raça em cada país. As conclusões? O Rottweiler é o cão mais pesquisado em 34 países – o maior número de resultados para qualquer raça. Contudo, o Australian Shepherd é a raça mais pesquisada no mundo, com 913.000 visitas mensais nos quatro países onde é o número um. No que toca a Portugal, a raça mais pesquisada é o Beagle, conhecido por ser um cão alegre e extremamente dócil e um ótimo cão de companhia, apesar da sua utilização primordial ter sido a caça, o que lhe vale a alcunha de “nariz com quatro patas”, tal é o seu faro apurado. De porte considerado “pequeno”, naturalmente inglesa, esta raça tem um preço médio de 400 a 800 euros.

Dos cães portugueses mais conhecidos no mundo fazem parte: o famoso Cão de Água – raça que acompanhou o ex-Presidente dos Estados Unidos Barack Obama na Casa Branca – conhecido por ser resistente, elegante, bom nadador, com capacidades como travar a respiração (apneia) quando mergulha, expelindo ar para descompressão sempre que necessário. Natural do Algarve, de grande/médio porte, o preço de um Cão de Água pode ir dos 500 aos 800 euros.

Entre as raças nacionais emblemáticas encontra-se também o Serra da Estrela, cão pastor e de guarda. De grande porte e aparência “rústica”, tem o preço de 500 a 700 euros.

A designação de Rafeiro do Alentejo é usada desde o século XIX e foi provavelmente atribuída pela população, por ser estarmos diante de um cão comum na região. A raça teve de esperar até ao século seguinte para ser reconhecida como pura, mas isso não impediu que o nome se mantivesse. Tal como o Serra da Estrela, o Rafeiro Alentejano é um cão de porte grande, de guarda de herdades, quintas e rebanhos, mas o seu valor vai dos 100 aos 300 euros.

Já o Cão de Gado Transmontano, originário da região de Trás-os-Montes, é conhecido por ser companheiro do pastor com funções específicas de guarda contra o ataque do lobo e os seus preços podem oscilar dos 100 aos 500 euros.

Cães de caça em casa Ricardo possui Whippets, raça de grande porte, ideal para a caça, e muitos são aqueles que acreditam que possuir um cão com essas características, que tem grande necessidade de correr, dentro de casa, pode ser considerado um “crime”. Patrícia Azevedo não concorda: “Crime considero que são os maus tratos a cães a que, infelizmente assistimos (direta ou indiretamente), e ainda que a legislação cada vez mais valorize os animais de companhia, muitas vezes continua a não haver realmente consequências para quem os pratica. Cada caso é um caso. Por exemplo, um cão de caça que é criado em apartamento e que diariamente faz caminhadas de uma hora ou mais com o tutor ou então que até vai para uma creche desgastar a sua energia, considero que esse cão consegue ter uma vida saudável fisicamente e psicologicamente. Agora, se o cão passa oito ou mais horas sozinho e só tem direito a passeios ao fins-de-semana – ou nem isso – isso sim, considero que compromete o bem-estar do animal”, defende. Para a médica veterinária, cada caso deve ser avaliado individualmente. “É importante, quando as pessoas pretendem adoptar ou comprar um cão, que avaliem a sua vida e as condições que podem dar ao animal, de forma a ponderar se a escolha do tipo de cão é a mais indicada para a sua vida e a sua habitação. Isso é o mais importante”, remata.

Leis recentes para os animais de quatro patas A França aprovou no dia 18 de novembro, um projeto de lei que proíbe a venda de crias de cães e gatos em pet shops e, progressivamente, a presença de animais selvagens em circos. Animais de estimação não são “nem brinquedos, nem mercadorias, nem produtos de consumo”, disse o ministro da Agricultura, Julien Denormandie, classificando a lei como “um importante avanço” no combate ao abandono de animais. A lei também estipula que quem deseja adotar um animal de estimação deve cumprir um período de uma semana de “reflexão” sobre a decisão, numa tentativa de combater compras e adoções por impulso, que muitas vezes acabam por resultar no abandono dos animais. Além disso, agora, o ato de matar voluntariamente um animal de estimação será considerado um crime, e não um simples delito. A nova lei aumentará a pena máxima por maus-tratos a animais para até cinco anos de prisão e uma multa de até 75 mil euros.

Em Portugal, o novo regime de contraordenações económicas revisto pelo Governo prevê que o abandono de animais de estimação ou maneio de animais de companhia com brutalidade passa de 500 euros para dois mil euros.

Desde a passada quarta-feira, 5 de janeiro, os animais de estimação são considerados juridicamente como membros da família em Espanha. Em caso de divórcio dos donos, a custódia do animal terá de ficar com um dos elementos do casal; já não é permitida a venda em lojas de de animais (a não ser de peixes) e a adoção de cães passou a implicar também a realização de um curso.