Pensamento Crítico e Ensino Superior em Portugal

Em Portugal, o ensino é orientado para a memorização. No Reino Unido, o pensamento crítico é rei.

Quem disser que as universidades portuguesas são medíocres, particularmente quando comparadas com universidades estrangeiras, corre o risco de olhar para a questão de forma míope. Sem querer ser excessivamente autorreferencial, quando iniciei o meu primeiro ano de doutoramento na Universidade de Oxford, na minha primeira aula de métodos quantitativos, lembro-me de o professor ter dito: “esta vai ser a cadeira mais difícil que alguma vez tiveram”. No fim do semestre, lembro-me de ter pensado que todas as cadeiras que tive no primeiro ano de licenciatura em Gestão na Universidade Católica Portuguesa foram infinitamente mais difíceis.

Esta pequena história ilustra o facto, com o qual me tenho vindo a confrontar várias vezes ao conhecer o trabalho de investigadores portugueses nacionais e internacionais, de que as universidades portuguesas, seja no privado ou no ensino público, e na grande maioria das áreas educativas, são exigentes e produzem profissionais de alta qualidade. Em Portugal escasseiam oportunidades, mas não se pode dizer que a culpa esteja na qualidade do ensino superior.


Contudo, tendo comparado a minha própria experiência enquanto aluna de cadeiras de Gestão e Economia com a dos meus alunos de Oxford nas mesmas áreas, tenho a notar que existe uma diferença substancial. Se em Portugal a influência do ensino francófono mais orientado para a memorização e absorção de grandes corpos de texto se fazem sentir, particularmente, nas Ciências Sociais, nas universidades do Reino Unido o pensamento critico é rei.

A maior diferença entre os dois sistemas de ensino superior, a meu ver, é que em certas universidades no Reino Unido como, por exemplo, na minha alma mater, todas as avaliações são feitas através da escrita de ensaios críticos sobre os diversos temas das diversas cadeiras. Um ensaio tem como objetivo dar ao aluno a oportunidade de se pronunciar sobre diferentes questões, julgamento esse que é obrigatoriamente feito aos ombros dos gigantes, isto é, informado pelos autores relevantes da disciplina. Este exercício tem duas vantagens. Por um lado, obriga os alunos a familiarizarem-se com os tópicos de conhecimento relevantes. Até aqui, não é nada de novo. Mas, por outro lado, obriga-os também a construir um raciocínio que tem que ser lógico e crítico. A meu ver, em Portugal focamo-nos apenas na primeira parte, sendo a segunda muitas vezes negligenciada pelo nosso sistema, e mais importante, pela nossa cultura de ensino.


Porque é que isto é importante? Certamente todos nos lembramos de por vezes termos pensado quando andávamos na universidade ou ainda mesmo na escola: “quando é alguma vez na minha vida adulta vou precisar de me lembrar disto ou daquilo”. E se na maioria das vezes esta é a voz da hubris a falar, outras vezes é realmente verdade que não vamos voltar a ter que estudar Geografia se decidirmos ingressar em Medicina. Pena é que, fosse o nosso sistema de ensino superior mais orientado para o raciocínio critico, perdiam-se na mesma os conhecimentos sobre conceitos específicos que pouco se exercitam durante a vida adulta, mas ficava para sempre connosco a capacidade de desenvolver um argumento lógico, informado, critico. Capacidade essa que é transversal a qualquer profissão, e diria até, a qualquer contexto da vida prática e social.


As universidades portuguesas já são, a meu ver, na sua grande maioria, de elevada qualidade, mas não quer dizer que sejam perfeitas ou que não possam aprender e melhorar. Em vez da cultura do teste, porque não difundimos a cultura do ensaio critico?

Postdoctoral Research Fellow da Sciences Po, Paris