Privatizações a preços de saldo?

Uma torrente de actividade continua a agitar o mercado de capitais português. Desde há algum tempo que um dos principais protagonistas é o Estado. Agora, antevê-se a venda da participação na Galp, a privatização da TAP, da ANA e das Águas de Portugal.

A questão que pretendo abordar nesta nota prende-se com o valor que estas participações podem render no mercado dadas as condições actuais das empresas e dos custos de financiamento. Deixo a questão de economia pública, sobre o interesse público de deter estas participações, para os meus colegas entendidos nessa matéria.

O choque de liquidez do Estado português que está a motivar estas iniciativas é o primeiro factor a relevar na discussão. Primeiro porque, na posição de fragilidade financeira em que se encontra, o Estado pode não conseguir em tempo útil atrair compradores que sejam mais eficientes e consigam extrair mais valor destas empresas. Segundo porque o poder negocial do Estado encontra-se debilitado e este está pressionado para vender os activos financeiros, mesmo que a preço de saldo.

Que preço esperar nestas circunstâncias? A minha investigação científica sobre o valor de blocos de acções quando os seus detentores são sujeitos a choques de liquidez sugere vários factores críticos. Vou referenciar três, nesta nota.

O primeiro factor é o nível de endividamento da empresa a privatizar, relativamente ao endividamento médio na sua indústria. Empresas com grande endividamento são geralmente transaccionadas a grande desconto em situações semelhantes. Entre outras coisas, o grande endividamento limita o que os accionistas podem retirar da empresa em caso de insolvência e limita a capacidade de quem manda de tomar dívida na empresa para relançar a mesma.

O segundo factor é a especificidade dos activos das empresas. Quanto mais específicos à indústria forem os activos, maior o desconto. Ao invés, se os activos puderem ser utilizados numa variedade de indústrias, o seu valor de mercado é maior, bem como o preço de saldo da empresa que os detém.

Um outro factor é o custo de financiamento de longo prazo no mercado obrigacionista. Este factor é particularmente relevante para explicar situações de emergência como aquela em que se encontra o Estado português. Não havendo pressão externa, qualquer venda de activos pelo Governo pressupõe uma valorização acrescida dos mesmos pelo seu comprador, que se reflecte no preço de venda.

Destes factores, o primeiro é de longe o mais importante. Tome-se como exemplo o caso da Japan Airlines, empresa estatal de aviação, que se submeteu há dois anos a um processo de bancarrota e após reviravolta estratégica está agora prestes a realizar uma OPV de sucesso. Na actual conjectura das empresas em consideração e do mercado financeiro em geral, pode-se esperar que o preço de venda obtido nas privatizações resulte num encaixe financeiro fraco. Estes argumentos podem validar um anúncio de adiamento das transacções em causa junto da troika.

Professor, Católica Lisbon-School of Business & Economics