Proclamação do Fado como Património da Humanidade trouxe ‘maior respeito e reconhecimento’

O investigador Daniel Gouveia considera que a proclamação do Fado como Património Imaterial da Humanidade trouxe “um maior respeito e reconhecimento pelo género, por parte da comunidade portuguesa, gostem ou não de Fado os seus membros”.

a “comunidade fadista”, por seu turno, “reconciliou-se com os estudiosos, académicos ou não, que vinham dedicando o seu esforço à investigação e sistematização de conhecimentos sobre o ‘seu mundo’”, acrescentou.

daniel gouveia, autor de várias letras e melodias de fado, apontou também aspectos “menos positivos” advindos da candidatura, nomeadamente, “a emergência de vozes jovens, especialmente femininas, reclamando-se de fadistas.

vozes “melodiosas, límpidas, afinadas, em rostos e corpos esteticamente atractivos, [mas] falta-lhes grão, timbre, cor própria e fraseado musical exigidos pelo género”.

“não conseguindo distinguir-se umas das outras, a não ser pelas capas dos cd com que iniciam a carreira ao invés de amadurecerem aprendendo com os antigos, são em tal quantidade, que resolvi o problema da identificação auditiva chamando a todas maria igualina, felizmente há excepções”, ironizou o investigador.

críticas também na área dos espectáculos: “a necessidade de grandes recintos e de impressionar novas audiências fez recrutar instrumentos alheios ao género, chegando-se ao extremo de percussão em fados tradicionais e baixistas convencidos de que são eles as estrelas, tocando quatro vezes mais notas por compasso do que as desejáveis, anulando a viola”.

“acresce que alguns técnicos de som, por virem da cultura do volume atroador das discotecas e deformados por trabalhar principalmente em concertos de ‘rock’ ao ar livre, transformam os espectáculos de fado numa agressão de decibéis, desvirtuando a essência do género”, aponta daniel gouveia, membro do conselho consultivo do museu do fado.

a comunicação social também é alvo de reparos, com jornalistas a “desataram a escrever sobre matéria que manifestamente não dominam e a fazer entrevistas, sempre com os mesmos lugares-comuns como perguntas e apenas aos fadistas jovens, esquecendo sistematicamente os consagrados”, alguns “atreveram-se mesmo a escrever livros, eivados das maiores barbaridades”.

salvam-se, na opinião do investigador, “quatro ou cinco que sabem do que estão a tratar”.

a área de edição não está também isenta do olhar crítico de daniel gouveia que diz que editoras são “guiadas apenas pelo critério de o fado estar na moda” e que “publicam livros que bem podem ser catalogados como literatura oportunista”.

autor do livro “ao fado tudo se canta?”, daniel gouveia salientou a “força aglutinadora da candidatura [que] trouxe algo de beneficamente novo ao panorama político nacional, pois as decisões tomadas quer pela assembleia municipal de lisboa, quer pela assembleia da república, foram-no por unanimidade, o que jamais havia ocorrido antes, no actual regime”.

fazendo ainda notar que “nenhum dos presidentes da câmara municipal de lisboa que atravessaram os cinco anos e meio da candidatura, de partidos alternantes, deixou de elogiar publicamente o trabalho do seu antecessor neste campo”.

no dia 27 de novembro do ano passado o vi comité intergovernamental da unesco (organização das nações unidas para a educação, ciência e cultura) reunido em nusa dua, na ilha indonésia de bali, proclamou o fado património cultural imaterial da humanidade.

lusa/sol