Queer Lisboa. Entre conquistas e retrocessos

Meio século depois de Stonewall e ao fim de 20 anos de Marcha do Orgulho LGBTI+, o 23.º Queer Lisboa arranca amanhã para uma edição que, a partir desse passado, questiona o presente.

Para o Queer Lisboa, o número pode não ser redondo a esta edição, a 23.ª, que arranca amanhã e se prolonga até 28 de setembro na casa do costume, o Cinema São Jorge, em Lisboa. Mas, para a comunidade queer e LGBTI+, o ano é de celebrações e balanços: pelo meio século de Stonewall e, em Portugal, pelos 20 anos da Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa. Dois acontecimentos convocados à programação desta edição do Festival Internacional de Cinema Queer de Lisboa, que, a partir daí, se propõe a “pensar as conquistas políticas e sociais que foram acontecendo nos vários cantos do globo – onde tiveram naturalmente diferentes tempos e expressões – e o que significou, e significa ainda, o ativismo para a cultura queer”.

E a questão dos diferentes tempos não é detalhe, como lembra a direção do festival num tempo em que impera a necessidade de uma reflexão sobre os recuos a que, em simultâneo com as conquistas, se tem vindo a assistir em várias partes do mundo: “O que significa o ativismo num mundo global cada vez menos ‘comunitário’ e cada vez mais individualista?”

Importará então olhar para países como o Brasil, de onde nos chega o filme de abertura (amanhã, às 21h, na Sala Manoel de Oliveira; com repetição no dia seguinte, às 13h, na Sala 3 do Cinema São Jorge) Indianara, de Aude Chevalier-Beaumel e Marcelo Barbosa, estreado na secção independente ACID da edição de Cannes este ano. Inndianara é título e nome da protagonista: uma revolucionária em luta pela sobrevivência das pessoas transgénero no Brasil e que, a chegar aos 50 anos, perante os “ataques do seu partido político e sofrendo o avanço do totalitarismo, junta forças para um último ato de resistência”.

Do Brasil chegará uma boa parte da programação desta edição. Com 12 filmes, continua a ser um dos países mais representados no Queer, no mesmo ano em que o IndieLisboa o elevou, com os seus realizadores, ao estatuto de herói independente coletivo. Ao todo, são 36 os países originários das obras programadas neste 23.º Queer Lisboa – “do Vietname à Geórgia, da Argentina ao Quénia”.

Para lá do cinema A duas exposições – Marcha do Orgulho LGBTI+ e, na Foco Galeria, Sem Receio de Criar o Caos – juntam-se ainda os debates Novos Populismos, numa parceria com a Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa, e Direito a Ser Intersexo, que se segue à projeção do filme Une Histoire Intersexe, de Floriane Devigne, e que conta com o apoio da secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro. A isto junta-se ainda uma conversa com Wieland Speck, diretor da secção Panorama do Festival de Cinema de Berlim entre 1993 e 2017, onde foi o responsável pela criação do TEDDY Award, além de júri da competição de longas-metragens deste Queer Lisboa, a par da atriz Isabél Zuaa e da realizadora Teresa Villaverde.

Wieland Speck é, com o apoio do Goethe-Institut, convidado do festival no ano em que a secção da Berlinale que dirigiu por mais tempo do que qualquer outro completou os seus 40 anos, que o Queer Lisboa comemora com um ciclo retrospetivo programado em parceria com a Cinemateca Portuguesa. Entre esses filmes encontram-se Self-Portrait in 23 Rounds: A Chapter in David Wojnarowicz’s Life, 1989-1991 (2018), de Marion Scemama e François Pain, ou Rebels of the Neon God (1992), estreia na longa-metragem de Tsai Ming-Liang.

A 28 de setembro, o encerramento do 23.º Queer Lisboa faz-se com Skate Kitchen, a primeira longa-metragem de ficção da realizadora do documentário The Wolfpack: a norte-americana Crystal Moselle. Skate Kitchen constrói-se a partir da cena skater feminina de Nova Iorque.