Realismo versus globalização democrática

As vitórias dos Estados Unidos nos conflitos mundiais do último século – na Grande Guerra de 1914-18, na Guerra Mundial de 1939-45 e na Guerra Fria de 1947-91, foram decisivas para a globalização do modelo político-social norte-americano.

mas este modelo tinha uma ecologia própria, uma história que o determinara e tornara progressivamente natural para os povos anglo-saxónicos. o que não queria dizer que fosse exportável para qualquer lugar da terra. até porque até ao fim da guerra fria tinha concorrência.

só que a hegemonia dos estados unidos no mundo pós-guerra fria, foi contrariada, pelo menos na ‘periferia’, pelo ocorrido na somália: daí a indiferença americana perante os massacres genocidas do ruanda e as guerras da libéria e da serra leoa, que as intervenções nos balcãs disfarçaram.

a seguir ao 11 de setembro, a direcção da política de washington foi tomada de assalto pelos neoconservadores que, para legitimar as suas guerras recorreram a um internacionalismo democrático à wilson, em que os eua iam acabar com os tiranos e impor a democracia. e fizeram cair os talibãs em cabul e invadiram o iraque. de onde agora retiraram. se os talibãs tomarem cabul a seguir à saída da isaf (o que não será surpreendente), estes sofríveis empates técnicos podem marcar (com a não intervenção da síria) uma era crepuscular da presença norte-americana no médio oriente. o shale gas (gás de xisto) e as novas possibilidades energéticas dos estados unidos justificarão esta retirada.

a par da política do governo, o apostolado democrático é oficialmente desenvolvido através do ned (national endowement for democracy) que actua subsidiando ong que operam em 92 países. em 2012, a organização, que tem 170 funcionários, distribuiu 62 milhões de dólares a mais de 1.200 organizações. o ndi (national democratic institute) e o iri (international republican institute) são os braços partidários do ned.

o consenso à volta destas organizações e da sua acção está a quebrar-se nos estados unidos: alguns, à esquerda, não deixam de sublinhar-lhe as contradições – desde logo a distinção entre ‘bons’ e ‘maus’ estados não democráticos, consoante são ou não aliados vitais dos estados unidos.

por outro lado e esta é a objecção dos realistas, da direita, estas ong levantam resistências nos países onde actuam: a admissão de que um país precisa de ‘aprofundar’ a democracia e o respeito pelos direitos humanos é o reconhecimento de que não os têm.

rússia e o egipto colocam sérias restrições a estas ong, mandando-as registar como ‘agentes estrangeiros’ e o primeiro-ministro dmitri medvedev perguntou o que é que fariam os americanos se uma ong nos eua recebesse dinheiro da rússia…

washington quer a rússia a colaborar diplomaticamente na estabilização de várias áreas estratégicas, mas não deverá esperar muito dessa colaboração, se mantiver e estimular uma atitude agressiva contra o regime russo.

para os realistas norte-americanos, o apostolado ideológico, democrático e humanitário, contraria a razão de estado dos interesses norte-americanos. e para eles é esta que deve prevalecer.

o debate está aberto.