Recordações

Escolher uma cidade, um país, um restaurante ou uma discoteca, às vezes, não é nada fácil, como me contavam há dias alguns amigos.

«Imaginem que quis fazer uma surpresa à minha namorada e disse-lhe que íamos passar um fim-de-semana a Espanha e para ela estar preparada quando a fosse buscar. Assim que entrou no carro, disse-lhe o destino e ela começou aos gritos. ‘Como é que sabes que recordações é que tenho desse lugar? Por que razão não me disseste antes?’. Fiquei atónito e desfizemos logo ali o fim-de-semana romântico». A risota foi geral, mas logo outro acrescentou mais um trauma: «Estava cheio de fome e tínhamos decidido ir jantar fora. Depois de lhe perguntar o que lhe apetecia jantar, arrancámos para o Estoril. Tudo a correr lindamente, até porque ela gosta de fazer a Marginal à noite. Quando comecei a aproximar-me da rua do restaurante começou a mudar de cor. ‘Desculpa, mas este lugar não me traz recordações muito boas’. Acreditam que tive de voltar para Lisboa para procurar outro lugar?».

Enquanto falávamos das más recordações, outro rematou: «Vocês não sabem o que é gostar imenso de uma discoteca e não a poder frequentar porque a namorada se recorda de noites desagradáveis com o antigo namorado ou porque esse artista frequenta a dita discoteca. É preciso uma noite muito especial para conseguir convencê-la a acompanhar-me». Como adoro sacanagem, não resisti perguntar a esse amigo se essa incompatibilidade desaparece quando a discoteca muda de nome.

O mais calmo do grupo chamou insensíveis aos outros e explicou que é normal as pessoas não gostarem de frequentar locais que lhes trazem más recordações. A conversa derivou para questões mais filosóficas, mas acabou por voltar ao tema dos traumas. «Acho que os homens não pensam dessa forma. Se estão felizes no momento por que hão-de pensar em coisas negativas? E se alguém está tão condicionado pelo passado é porque ainda não o esqueceu», rematou o das discotecas. O encontro só podia mesmo terminar numa saída para festejar o momento. Sem traumas, claro. l

vitor.rainho@sol.pt