Recrutadores chumbam prova

Uma prova que testa as capacidades cognitivas no domínio linguístico e nos raciocínios lógico e matemático, mas que não serve para distinguir quem tem ou não capacidades para ser professor. É esta a principal conclusão dos vários especialistas em recursos humanos e recrutamento contactados pelo SOL para analisar a componente comum do exame a que…

“serve para aferir competências de capacidade reflexiva, de relacionar coisas, de pensar criticamente e interpretar a realidade. mas deixa de fora todos os aspectos comportamentais, que são essenciais para ser professor”, aponta paula tomás, presidente da anerh (associação nacional de empresas de recursos humanos). a psicóloga, que dá também formação a docentes em áreas como a liderança, diz que falta um teste para aferir a inteligência emocional de quem vai dar aulas. “é cada vez mais importante saber como se reage à adversidade, à pressão, e se tem capacidades de autodomínio e automotivação. nada disso está nesta prova”.

exame ‘facílimo’

de resto, paula tomás considera o exame “facílimo”. a prova é composta por 32 itens de escolha múltipla que valem 80% – com questões sobre como organizar uma escala de serviço ou completar uma sequência de letras seguindo um certo padrão – e uma resposta a uma pergunta de desenvolvimento, até 350 palavras.

paula tomás explica que, para ser mais eficiente a testar os raciocínios lógico e matemático e as capacidades linguísticas, a prova “deveria ter mais perguntas do mesmo género repetidas”.

um especialista de uma das maiores empresas de recrutamento do país, que não quis ser identificado, explica que faltam casos práticos para “abordar questões como a resolução de conflitos, a sensibilidade às questões motivacionais, às fases do desenvolvimento e a comportamentos desviantes”. ou seja, tudo o que associamos a um bom professor fica por testar: “o impacto e influência, a liderança, a empatia, a comunicação e o relacionamento interpessoal não parecem ter sido consideradas suficientemente importantes”.

“este teste não será útil na identificação dos candidatos com maior potencial para o ensino”, assegura o responsável de outra empresa, que também não quis ser identificado.

fábio alves, coordenador da empresa de recursos humanos go work, considera que “o exame é redutor” e explica que nunca faria um teste semelhante para seleccionar docentes. “quando recrutamos um profissional, procuramos referências, olhamos para o currículo académico e profissional. os testes psicotécnicos nunca podem ser eliminatórios, como neste caso”. um outro especialista recorda, aliás, que o registo da avaliação do desempenho e uma entrevista poderiam ajudar a tornar a selecção mais eficaz.

entre as instituições que formam professores, o guião de exame apresentado pelo iave (instituto de avaliação educativa) foi recebido com críticas. rui matos, director da escola superior de educação e ciências sociais (esecs) do politécnico de leiria considera as perguntas “demasiado abrangentes e respondíveis por um aluno médio do ensino secundário”, pelo que acha mesmo “ofensivo” que se ponham docentes profissionalizados – alguns com mais de dez anos de experiência – a responder a este teste. “a prova não serve a ninguém. as instituições formadoras, avaliadoras e certificadoras – nas quais se inserem as instituições de formação inicial, as escolas onde muitos destes docentes já leccionaram e a a3es – já fazem um filtro, que atesta a qualidade da formação e dos profissionais diplomados”, defende rui matos.

a mesma posição tem carlos ceia, professor da universidade nova de lisboa, que considera a introdução deste exame de acesso à profissão é “um excesso de zelo injustificável”, que “resulta da desconfiança da formação oferecida pelas instituições”. “se há problemas na formação inicial de professores, o ministério devia actuar sobre essas formações e não sobre os professores”, diz.

modelo australiano

também o politécnico de bragança emitiu esta semana um parecer sobre o exame, considerando-o “vexatório” e prova de que o ministério “põe em causa a formação e experiência dos candidatos” a professores.

ao sol, fonte oficial do iave explica que “a prova comum obedece a modelos concebidos e testados por organizações especializadas, como é o caso do australian council for educational research (acer)”. e recorda que há em todo o mundo vários países com exames para docentes, embora os modelos variem. “alguns países realizam provas de literacia (inglaterra), enquanto outros realizam, adicionalmente, provas específicas relativas às áreas de recrutamento (eua). espanha, frança, japão e inglaterra são alguns exemplos de países onde se realizam provas de avaliação para professores”.

para o iave, o objectivo do exame – que os professores terão de fazer a 18 de dezembro – é avaliar “a capacidade de mobilização do raciocínio lógico e crítico”. só os que passarem poderão fazer os exames específicos (relacionados com as disciplinas que leccionam), a marcar, entre abril e maio.

o iave não esclarece, porém, quantos professores de português se disponibilizaram já para corrigir a prova dos colegas, nem quantas indicações de recusa terá já recebido. com uma greve agendada para o dia da prova, o ministério da educação e ciência também não respondeu se pondera recorrer a serviços mínimos para assegurar o exame, em que se poderão inscrever cerca de 45 mil professores – 12 mil dos quais estão neste momento a dar aulas.

margarida.davim@sol.pt