Remodelação

Está na moda defender a remodelação do Governo. Fazem-no comentadores, empresários, políticos da área do Executivo e políticos da oposição. As motivações obviamente diferem, e existe muita pequena política envolvida. A crer nos ‘mentideros’, a eventual remodelação atingirá as esferas política e económica.

não sei o que (ou quem) mudará na coordenação política. aqui, parece-me fundamental introduzir no discurso do governo uma visão de futuro, que reconheça que a ida aos mercados não é um fim, mas antes um recomeço. a ideia do ‘para onde’ precisa de ser articulada e propagada.

mas nenhuma cabeça é pedida com tanta insistência como a do ministro álvaro pereira, nem nenhuma reorganização tão solicitada como a do seu ministério (da economia e do emprego). na base deste frenesim está a ideia de uma pretensa antinomia entre as finanças e a economia, com o zénite na tese bizarra de um desejável poder de veto do ministro da economia sobre medidas recessivas com origem nas finanças.

insinua-se que um outro ministro poderia fazer mais para reanimar a economia. mas não se diz como. são memórias de um passado em que se distribuíam subsídios e prebendas. só que agora o dinheiro não existe. e, quando existiu, trouxe-nos até aqui.

fala-se, ainda, na necessidade se recolocar a pasta do emprego na segurança social, como se tal contribuísse para reduzir num trabalhador que fosse o número de desempregados. o ‘emprego’ estar num ou noutro ministério traduz duas visões do mundo e da economia: a liberal de mercado – que tende a ver o trabalho como um recurso económico, que deve ser usado eficientemente (mas sempre sob o império da lei) – e a social de mercado – que tende a ter do trabalho uma visão protectora e assistencial. a recuperação e a reforma da economia justificam o predomínio da primeira visão.

o país não está como está por este ou por aquele governante, por esta ou por aquela orgânica governativa. está como está fruto de um processo de ‘desvalorização interna’ tornado mais doloroso pelo contexto externo desfavorável, pela falta medidas estruturais ousadas e pela total ausência de uma narrativa de progresso. remodelar um governo é a solução calista para situações de desgaste e perda de fulgor. mas, como nos face-lift, a idade não muda nem o cansaço desaparece, apenas são disfarçados.