Renegociação

O Bloco de Esquerda fez da renegociação da dívida externa a sua bandeira eleitoral. Muitos seguiram o lead, e o tema ganhou proeminência.

entende-se que a esquerda radical (e, suspeito, ainda revolucionária) defenda a renegociação da dívida. entende-se, mesmo, que o faça na sua versão mais extrema: o simples ‘não pagamos!’. fazem-no não por preocupação com o bem-estar dos portugueses e o sofrimento dos mais pobres. fazem-no exactamente pelo motivo contrário. fazem-no, precisamente, por saberem o efeito devastador que essa renegociação teria no bem-estar de todos, e da classe média em particular. fazem-no, precisamente, por saberem que a situação de agitação e caos social que daí resultaria criaria um caldo de cultura propício a pôr em causa os fundamentos da democracia liberal de mercado.

do ponto de vista estritamente económico, a defesa da renegociação confunde causas com consequências. as elevadas dívidas pública e privada não são a causa dos nossos problemas, mas uma sua consequência. resultam da conjugação de uma incapacidade para crescer com um estado devorador. mesmo que toda a dívida nos fosse perdoada agora, se não se corrigirem esses fundamentos, se não se inflectir a trajectória de acumulação de défices externos e púbicos, daqui a uns 30 anos voltaremos a estar sobreendividados.

duas coisas são bem conhecidas na experiência dos jogadores viciados. a primeira é que, mesmo que lhe sejam pagas todas as dívidas de jogo, sem um tratamento efectivo da compulsão, ele voltará a jogar, a perder, e a acumular dívidas. a segunda é que a prudência manda afastar esse jogador do casino.