Rescaldo da jornada eleitoral

A primeira nota é sobre a abstenção: espanta-me que só os adultos e os mais velhos vão votar.

No passado domingo, o país votou para as eleições europeias; agora, convém fazer o ‘rescaldo’ da jornada.

A primeira nota é sobre a abstenção: espanta-me que só os adultos e os mais velhos vão votar. Se calhar, falta aos novos ter de parar na fronteira, esperar, mostrar documentos e veículos, e ter a noção de quão diferente é a Europa quando tem fronteiras. Não há desculpa para os mais jovens não irem votar. Deve ser, como dizia o empregado Grilo a Jacinto de A Cidade e as Serras, ‘a fartura’. E não me venham falar em dificuldades, que dificuldades a sério tiveram os mais velhos porque nasceram e cresceram sob uma ditadura. 

Quanto aos resultados, para além de PSD e PS de que falei na próxima semana, os vitoriosos da noite foram o Bloco de Esquerda e o PAN. Os derrotados da noite foram o CDS e a Aliança. 

O bom resultado do Bloco de Esquerda ficou a dever-se à boa candidata e à campanha de Marisa Matias. Que fez o que Ricardo Robles já tinha feito em Lisboa, com êxito. Disfarçaram bem o radicalismo e a ideologia, adotaram um posicionamento pragmático, agarraram algumas causas urbanas fáceis de assimilar. Mas há uma diferença. Robles ainda era coletivista, ao invés de Marisa, que deu o salto para o personalismo. 

Eu ouvi os tempos de antena dos partidos, muito maus em geral. Mas o do Bloco era bem-feito: Marisa Matias contava a sua história (não a história de anarquistas do século passado), explicava que era filha de um guarda-florestal, que tinha trabalhado para tirar o curso, que vencera a barreira da condição social. Ou seja, uma história de triunfo à americana fez dela uma Ocasio-Cortez à portuguesa. Funcionou. Foi uma vitória da candidata que podia fazer esse truque com um exercício de comunicação bem-sucedido. Quem pensou nessa estratégia, pensou bem. Quem terá sido? 

Sobre a noite vitoriosa do PAN, os sinais estavam todos aí, mas quase ninguém os viu. Não foi o meu caso, que publiquei neste jornal um artigo com o título: PAN e Aliança, pegar o touro pelos cornos (dezembro de 2018).

O PAN, que já tinha eleitos na assembleia municipal de Lisboa, tem, desde as legislativas de 2015, um deputado que sozinho consegue pôr o país a falar de animais mesmo quando tudo à nossa volta falha. Se um deputado sozinho consegue tal feito, como não perceber a força de uma mensagem que encontrou o seu público-alvo nas cidades e, por essa via, a identificação dos eleitores com o partido? 

Nesse mesmo artigo de dezembro de 2018 expliquei também que a Aliança não elegeria Paulo Sande, porque não era o candidato adequado para o novo partido de Santana Lopes. Desde logo, na condição de assessor do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, estava muito limitado e não poderia fazer uma campanha eleitoral agressiva. 

Nesse artigo consegui antever duas tendências que se confirmaram na noite eleitoral: a vitória do PAN e a não eleição de eurodeputados do Aliança. E isso é importante? É muito importante, porque um articulista que não acerta ‘uma’ é como um ponta-de-lança que não marca golos.