Richard Attenborough: Até à eternidade

“Welcome to the… eternity!”. A frase é dita por Richard Attenborough num dos filmes em que participou como actor. Ganhou essa eternidade. Tinha 90 anos e morreu há precisamente uma semana em Londres, num lar da terceira idade onde vivia com a mulher, a companheira de quase 70 anos de casamento.

Sir Richard Attenborough foi um dos mais populares e admirados actores ingleses do pós-II Guerra Mundial. Os cinéfilos mais recentes recordam-no melhor como o aclamado realizador de Gandhi que, em 1982, ganhou oito Óscares da Academia. Steven Spielberg recuperaria a sua imagem no ecrã ao dar-lhe o papel do milionário que criou o Parque Jurássico.

Filho de um académico da universidade de Cambridge, Attenborough estudou na Academia Real de Artes Dramáticas. Era uma figura simpática, um ‘sir’ que a todos tratava por ‘darling’, fazia-o, segundo ele, porque tinha uma memória terrível para decorar nomes e assim, “por educação”, nunca se enganava.

Estreou-se no cinema com um pequeno papel no filme Sangue Suor e Lágrimas, de David Lean, em 1942. Atingiu depois grande popularidade como actor num dos seus mais brilhantes desempenhos, em 1947, com o papel de delinquente, um pequeno criminoso local no filme Morte em Brighton (Brighton Rock), uma história escrita por Graham Greene. Já nos anos 60, e em Hollywood, garantiu um lugar de destaque ao lado de Steve McQueen, em A Grande Evasão.

No virar da década de 70, teve a sua primeira experiência por detrás das câmaras, com a adaptação de um espectáculo do West End londrino, o musical Oh! What a Lovely War. Depois de experimentar a realização, empenhou-se em grande projectos de produção, quase sempre biografias ou episódios da história. “Adoro biografias, sou fascinado pela história de pessoas que fizeram mudar os nossos destinos, ou os nossos pontos de vista”, dizia.

Essa paixão pela vida de grandes figuras e acontecimentos justifica, em parte, a sua filmografia como realizador. Deu a conhecer a juventude de Winston Churchill em O Jovem Leão, recriou no cinema uma falhada operação da II Guerra Mundial, com o filme Uma Ponte Longe Demais, e retratou a vida do activista anti apartheid sul-africano Steven Biko, interpretado por Denzel Washington no filme Grita Liberdade. Foi por esta altura que veio a Portugal lançar o filme, em u 1988, e tive a oportunidade de conversar com ele no Hotel Tivoli. Ficou-me na memória a imagem de um lorde inglês, muito sorridente, formal mas atencioso, e com grande vontade de conversar. Todos os seus grande projectos tinham demorado anos a produzir, por isso o conselho que deixou nessa entrevista, a ideia forte da conversa que com ele mantive, é que nunca se podiam abandonar sonhos e projectos: “O que posso sugerir aos mais jovens é que nunca devem desistir de perseguir os seus sonhos, mantendo a vontade de fazer coisas… Se juntar a isso um bocadinho de sorte, um dia o sonho mistura-se com a vontade e torna-se realidade”.

Percebi que a prova dessa determinação era, então, a sua vontade em concretizar um projecto. Foram duas décadas em que não desistiu do seu maior desejo, adaptar ao cinema a biografia de Mahatma Gandhi. O realizador hipotecou a sua casa, aceitou vários papéis secundários, em séries e filmes, para poder financiar a produção sempre rejeitada pelos estúdios, mas que acabaria por ser a sua maior obra como realizador. Gandhi foi nomeado para 11 Óscares da Academia, ganhou oito estatuetas, incluindo Melhor Filme, Melhor Realizador e Melhor Actor, para o estreante no cinema Ben Kingsley.

Amanda Nevill, directora do British Film Institute, nestes dias de luto para o cinema britânico, definiu-o a um jornal inglês como “alguém que compreendia que o cinema podia ser uma ferramenta poderosa que podia conquistar corações e ajudar a mudar o mundo”.

William Goldman, dramaturgo e argumentista que trabalhou com Richard Attenborough em dois dos seus filmes (Uma Ponte Longe Demais e Chaplin), dizia dele: “Era de longe talvez o melhor e mais decente ser humano que alguma vez encontrei no mundo do cinema”. 

Nem sempre compreendido em relação às suas obras, teve um dos maiores fracassos com um outro projecto que andou vários anos para concretizar, a sua homenagem a Chaplin, em forma de filme biográfico. A crítica arrasou o trabalho e o público foi discreto nos aplausos. Ele que, ao longo da vida, disse várias vezes que a vontade de fazer cinema e de entrar para esse mundo mágico despertou quando viu, ainda jovem, uma sessão de A Quimera de Ouro, do famoso mímico britânico. 

Em 1993, com Dois Estranhos, um Destino, inspirado também numa história verídica, um filme sobre a paixão entre a poetisa Joy Gresham e o escritor C. S. Lewis – duas grandes interpretações de Debra Winger e Anthony Hopkins –, conseguiu arrancar de novo os aplausos da crítica e do público.

Feita a reconciliação, realizou a sua última película em 2007, O Elo do Amor, uma comédia romântica com Shirley MacLaine e Christopher Plummer. No ano seguinte, apareceria no ecrã pela última vez como actor, no filme de Shekhar Kapur, Elizabeth, com Cate Blanchett.

Irmão mais velho do popular apresentador de documentários televisivos David Attenborough, Richard esteve sempre associado, além do cinema e das artes, a projectos de solidariedade social, instituições culturais, académicas e até desportivas. Foi reitor da universidade de Sussex, presidente vitalício do clube Chelsea e também presidente do BAFTA.

2014, de facto, está a ser um ano negro para a Sétima Arte. Vão desaparecendo alguns, como Attenborough, que já tinham reservado um lugar na história, na eternidade.