Sir Alex Ferguson: 27 histórias incríveis

Aos 71 anos, Alex Ferguson despede-se do futebol para passar mais tempo com a mulher. Leva o rótulo de gentleman que tantas vezes renegou: a imagem de vencedor nato esconde um lado autoritário e impiedoso que fica expresso em 27 episódios contados pelo SOL, um por cada época ao serviço do Manchester United.

ryan giggs na casa errada

lee sharpe gostava de se divertir. o extremo do manchester united tinha fama de organizar festas privadas e um dia o treinador foi a casa dele para o encostar à parede. ao tocar à campainha, apareceu-lhe ryan giggs com duas garrafas de cerveja na mão. o galês de 18 anos era a nova aposta do united e ficou sem um mês de salário. furioso, ferguson acabou abruptamente com a festa, pedindo a duas raparigas que se retirassem.

um contestatário arrependido

em 1989, ao fim de três épocas sem títulos em old trafford, a paciência dos adeptos começava a esgotar-se. uma tarja exibida no estádio tornou-se famosa pelos aplausos recebidos: «três anos de desculpas e continuamos a mesma porcaria. adeus fergie». o escocês aguentou-se e, 38 troféus depois, o homem responsável por pedir a sua cabeça mantém o lugar cativo no estádio, com uma opinião diferente. «ainda bem que ele ficou. agora penso que devia ser canonizado», disse pete molyneux ao the guardian.

o efeito secador de cabelo

dion dublin só jogou seis vezes pelo united, mas teve tempo para sentir o famoso ‘efeito de secador’. a expressão foi inventada pelos jogadores e resume o momento em que ferguson lhes berra tão perto da cara que os cabelos esvoaçam. «ele gritou comigo e cuspiu-me todo, na cara, no queixo, nos olhos», contou o antigo avançado. a descompostura é por todos temida e serve para o treinador controlar o balneário. «se não for impiedoso com estes milionários estou perdido».

desacreditado em tribunal

só foi despedido uma vez. corria maio de 1978, treinava o st. mirren e estava de saída para o aberdeen – mas não tinha informado ninguém. contestou a decisão em tribunal e o clube apresentou 15 razões para o dispensar, entre as quais ter insultado uma funcionária e convidado jogadores para o seguirem. a justiça deu razão ao st. mirren, qualificando o treinador de «insignificante» e «imaturo», antes da estocada final: «não tem experiência nem talento, nem qualquer habilidade para a função».

a paternidade de gary neville

durante duas décadas, o defesa formado no manchester united fez parte da mobília. ferguson era um grande apreciador das suas qualidades e apenas lamentava que não tivesse crescido mais um pouco. numa tirada sarcástica, atirou: «se fosse três centímetros mais alto seria o melhor central da grã-bretanha. o pai dele mede 1,85 m. se fosse eu, ia verificar como é o leiteiro».

stam mete gasolina no fogo

uma autobiografia incendiária, na qual o holandês revelava ter sido contratado à revelia do anterior clube, numa manobra ilegal, deixou o escocês em fúria. depois de um treino em que ouviu as explicações de stam, o treinador mandou a secretária dizer ao jogador que esperasse por ele onde quer que estivesse. stam parou num posto de gasolina e ali ouviu a sentença da boca do escocês: era tempo de deixar old trafford.

mais uma rodada até vir o cowboy

quando chegou ao united, em 1986, imperava a cultura do álcool. numa digressão ao bahrain, ao deparar-se com os jogadores a beber à descarada, gritou-lhes: «vocês são uma desgraça para o clube». apesar do sermão, norman whiteside e bryan robson decidiram sair naquela noite. foram descobertos por um dirigente numa discoteca, bêbedos. «sabíamos que tínhamos sido apanhados e pedimos mais uma rodada», contaria ??whiteside na sua autobiografia. passados 15 minutos, ferguson irrompeu pela porta «como se estivesse a entrar num bar de cowboys». whiteside desculpou-se e pediu ao treinador para chamar um táxi. «táxi? vocês podem andar». cinco quilómetros até ao hotel.

em nome de cathy

o primeiro trabalho, ainda na adolescência, foi numa tipografia em glasgow. ali conheceu a mulher, cathy, com quem casou há 47 anos. ele protestante, ela católica, nenhuma igreja aceitou celebrar a cerimónia. a solução era um deles converter-se, mas preferiram casar pelo civil a mudarem de fé. na despedida de old trafford, domingo passado, ferguson anunciou que era por cathy que se ia embora: «tudo mudou com a morte da sua irmã bridget. agora que ficou sem a sua melhor amiga e está um pouco solitária, acho que lhe devo o meu tempo».

escondido na piscina

na primeira época em manchester, um desaire caseiro levou-o ao balneário com o intuito de aplicar o ‘secador’ a peter barnes, depois de uma exibição muito apagada. o extremo estava sentado à beira da piscina comum, quando se apercebeu dos passos do escocês na sua direcção. inspirou fundo e mergulhou. ferguson olhou e não o viu. o jogador emergiu finalmente, quase sem ar, mas livre do raspanete.

e se o fergie quer ser cá da malta…

no verão de 1989, dispensou dois dos jogadores mais populares do united, mostrando pela primeira vez que não olharia a nomes para atingir o sucesso. norman whiteside e paul mcgrath abusavam na bebida e, como passavam muito tempo lesionados, repetiam-se as oportunidades para uma escapadela até ao bar mais próximo. mcgrath conta na sua autobiografia como se desenrolava o processo de decisão: «não, não podemos. não podemos. não podemos, pois não? ah, vamos lá. vamos lá beber uma ou duas». um dia embebedou-se e bateu com o carro. ferguson avisou-o. pouco depois voltou à mesma vida e, numa entrevista, aconselharia o escocês «a relaxar e a beber umas».

o casaco creme de eric cantona

segundo rezam as crónicas, quase ninguém escapou aos acessos de autoritarismo de ferguson. mas uns eram mais poupados que outros. eric cantona estava no primeiro lote. a ideia de vestir a roupa oficial do clube nunca agradou ao excêntrico francês, que um dia apareceu de casaco creme e ténis vermelhos num evento que obrigava a usar fato e gravata. ao ver a indumentária alternativa do seu pupilo, em vez de lhe chamar a atenção, ferguson exclamou que cantona estava «estupendo».

uma ferida mediática

quando, em 2003, entrou de raiva no balneário e pontapeou uma chuteira que acertou em david beckham e lhe abriu o sobrolho, já estava em rota de colisão com o jogador. ferguson culpava o casamento com a ex-spice girl victoria e a vida de celebridade pela dedicação cada vez menor ao futebol. «ele nunca tinha sido um problema até se ter casado», afirmaria anos mais tarde. a ‘bota voadora’ obrigou beckham a ser suturado com dois pontos e no final da época a ferida ainda não estava sarada: o adeus ao clube que representou mais de uma década tornou-se inevitável.

roy keane fura lei do silêncio

com roy keane o problema foi outro. o capitão era o expoente máximo do espírito competitivo que o técnico exige, mas cometeu um pecado capital em 2005, ao fim de 12 anos no united. ao arrasar sete companheiros em declarações à tv do clube, entre eles rio ferdinand, violou um dos mandamentos mais sagrados de ferguson: a lei do silêncio que protege o balneário. com mais de 50 jogos pela inglaterra, o guarda-redes david james revelou que, mesmo nos estágios da selecção, nunca um jogador às ordens de ferguson lhe contou sequer o que comiam ao pequeno-almoço.

cavalo ‘desenterra’ podres

fanático das corridas de cavalos, deteve 50% de um garanhão avaliado em mais de 50 milhões de euros. a divisão dos direitos sobre o cavalo levou-o a uma disputa legal: o milionário john magnier alegava que tinha feito uma oferta simbólica ao amigo, quando decidiu partilhar a titularidade do animal, mas ferguson exigia uma parcela dos lucros. foi então que magier, que chegou a ter quase 30% das acções do manchester united, contratou um detective que terá descoberto alguns podres do treinador no clube. ao ser confrontado com a informação, desistiu do processo em tribunal.

cunhas para a família

uma reportagem da bbc, em 2004, apanhou a boleia do detective de magier e apresentou ferguson como promotor de cunhas no manchester united. além de ter nomeado o irmão mais novo, martin, como director da prospecção de talentos, ferguson terá beneficiado os filhos gémeos: darren passou quatro épocas no plantel principal e fez 30 jogos (os únicos na premier league) e jason participou em várias contratações do clube, através da sua agência de representação de jogadores. em resposta, ferguson deixou de falar para a tv do estado, um boicote que durou sete anos.

imprensa banida

mark ogden foi proibido de entrar nas instalações do united por ter noticiado que rio ferdinand ia falhar o primeiro jogo da época. habituados à mão castigadora de ferguson sempre que lê ou ouve algo que não lhe agrada, os jornalistas sentiram esta punição como totalmente desproporcionada. mas o treinador culpou o repórter do the telegraph pela derrota com o everton e baniu-o durante meses. ironia: seria ogden a avançar em primeira mão com a notícia da retirada, antecipando-se ao anúncio oficial, para espanto do escocês. os jogadores ainda não sabiam e, até ao dia anterior, nem ao irmão tinha contado.

hugo.alegre@sol.pt
rui.antunes@sol.pt