Sobriedade ante o marisco

Pode comer-se marisco à mão, ou tem de ser com garfo e faca?Eduardo Mendes.

não é aí que está o problema do marisco. pode naturalmente comer-se à mão, quando é preciso descascá-lo (amêijoas, cadelinhas, camarões cozidos, etc.). e pode comer-se de garfo e faca, se já está descascado e é servido quente e cozinhado (arroz de marisco, lagosta suada, etc.).

o verdadeiro problema do marisco é a forma como é encarado. a avó de um amigo dizia que a educação das pessoas se conhecia pelos sapatos, que era aí que estalava o verniz. e um outro conhecido meu, conde e também deliciosamente snob, entende que é a comer marisco que as pessoas se denunciam. um aparelho digestivo educado e habituado a tudo – do champanhe ao carrascão, do caviar aos joaquinzinhos – porta-se perante o marisco com elegância e sobriedade. já um novo rico, ou um desfavorecido da sociedade, enfia-se na mariscaria a arfar, com a cara encarniçada, sendo até capaz de garantir que, depois de um prato de gordos lagostins bem ingeridos, já pode morrer em paz. mas não pode haver paz numa morte dessas.

o marisco é bom, mas não é o centro do universo. um belo camarão gigante de moçambique deve comer-se com a mesma contenção de uma boa sanduíche mista. são ambos bons, merecem ambos respeito e ambos ocupam um lugar na vida de qualquer pessoa educada e de meios razoáveis.

o problema com o marisco não é tanto a mão ou o garfo (embora seja feio ver comer amêijoas de garfo e faca); é o grunhido dos deslumbrados.

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