Sorteios fazem disparar a receita fiscal

Os sorteios semanais de automóveis que a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira vai fazer a partir de Abril prometem ser um jackpot para os cofres públicos, se a experiência portuguesa for tão bem sucedida como nos países que já a adoptaram.

O sistema português foi aprovado ontem pelo Conselho de Ministros. Os sorteios chamam-se Factura da Sorte e vão ser realizados com o apoio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Os contribuintes terão de acumular um determinado montante de facturas – o valor ainda não está definido – para que seja emitido um cupão que dá acesso à lotaria.

Todas as facturas dão direito a prémio – incluindo as de serviços como água ou luz – desde que tenham número de contribuinte.

O Governo não se compromete com uma meta precisa no aumento de receitas fiscais, mas há boas expectativas. Segundo explicou ao SOL Rogério Fernandes Ferreira, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, este tipo de medidas “não é comum na Europa, mas – goste-se ou não – tem obtido resultados positivos” nos países que o introduziram.

A Eslováquia tem um sistema semelhante desde Setembro de 2013. As facturas emitidas correspondem a ‘bilhetes de lotaria’, cujo número de série é posteriormente registado através de sms ou online, pelos contribuintes. “O entusiasmo dos contribuintes com estes sorteios tem sido tal, que, nos meses de Setembro e Outubro de 2013, o Estado eslovaco viu a sua receita de IVA aumentar em cerca de 130 milhões de euros”, adianta o também presidente da Associação Fiscal Portuguesa, acrescentando que este desempenho representou uma subida de 20% nas receitas do imposto.

Outro caso de sucesso ocorreu em Taiwan, que criou em 1951 uma lotaria sobre o imposto de vendas e “nunca abandonou o sistema”. Os registos da época mostram que, no primeiro ano de funcionamento, a medida fez a receita fiscal aumentar 75%, indica o antigo secretário de Estado.

Denúncias aumentam

Em São Paulo, no Brasil – que inspirou o sistema português – o balanço também é favorável. A Nota Fiscal Paulista é uma lotaria que atribui prémios em dinheiro. Por cada 100 reais – cerca de 30 euros – em documentos fiscais, ganha-se o direito a um bilhete electrónico que permite entrar num sorteio. “Tem sido eficiente e gera resultados bastante positivos em termos de combate à evasão fiscal e consequente aumento de receita”, nota Rogério Fernandes Ferreira.

Além de permitirem o aumento da receita fiscal, os sorteios são uma forma eficiente de combater a evasão fiscal. Em Taiwan os contribuintes acabavam por denunciar os agentes económicos que não emitiam as facturas que serviam de base aos sorteios ou deixavam de adquirir os seus bens e serviços. Na Eslováquia foram reportados por contribuintes cerca de 3.000 casos de recusa de emissão de factura ou de facturas falsas, o que permitiu aumentar o número de inspecções e até encerrar algumas empresas que viviam da economia paralela.

O fiscalista Samuel Fernandes de Almeida, da sociedade de advogados Miranda, reconhece que os sorteios são um “incentivo ao cumprimento das obrigações fiscais”, mas avisa também que, “do ponto de vista cultural e cívico, a mensagem não é a mais correcta, se não for acompanhada de fortes medidas repressivas” contra quem não cumpre as obrigações.

O fiscalista considera que “pagar impostos não deve ser premiado” e aproveita para criticar perdões fiscais como o que foi aberto no ano passado: “São incentivos ao incumprimento futuro e uma afronta para todos os que cumprem atempadamente as suas obrigações tributárias”.

joao.madeira@sol.pt