Já não sei quantas vezes me referi nesta coluna ao papel da prevenção. Aliás, como médico dos cuidados primários, se há coisas que considero particularmente importantes, esta é uma delas. Em minha opinião é nela que se deve centralizar toda a atuação do médico de família, cuja missão essencial é esta: prevenir.
Contudo, paradoxalmente, se há falhas e erros que cometemos repetidas vezes, é mesmo no capítulo da prevenção. Ano após ano, os erros repetem-se e as falhas voltam a aparecer. As mesmas, por sinal. Parece que não conseguimos mesmo atingir esse objetivo — e, quer queiramos quer não, lá temos de voltar ao velho ditado popular, só que dito de outra maneira: ‘Mais vale remediar, quando não se é capaz de prevenir’.
Mas será que temos de levar a vida toda a remediar? Vem isto a propósito da campanha (a meu ver louvável) levada a cabo pela Direção Geral da Saúde há poucos meses onde, através de um vídeo televisivo, se fazia ver às pessoas os malefícios do tabaco.
Numa excelente encenação teatral, a atriz principal encontrava-se em fase pré-terminal e pretendia mostrar à filha (pré-adolescente) que a vida pode trazer problemas graves àqueles que fumam, alertando-a para não seguir esse caminho errado.
Percebe-se facilmente que a mãe é portadora de um cancro de pulmão, tendo sido submetida a quimioterapia e que a sua doença oncológica teve a ver diretamente com o comportamento de risco que foi mantendo ao longo do tempo, até mesmo na fase final da vida.
‘Ora aqui está uma iniciativa feliz’ – pensei eu quando me informaram da campanha televisiva! ‘Oxalá a mensagem chegue a todos os destinatários e ao público em geral’ – imaginei na minha boa-fé…
Qual quê!
Eis que de repente logo surgem vozes críticas e contestações de toda a espécie, dizendo que, nesta peça, a mulher é discriminada em relação ao homem. Que o papel da mulher é denegrido.
A mensagem essencial – isto é, que não se deve fumar, que o tabaco mata, que o tabagismo pode ser combatido, que devemos dizer ‘sim’ a uma vida saudável sem tabaco – é pura e simplesmente ignorada pelos críticos da campanha. Para estes, o importante é acabar com ela, por colocar mal as mulheres, desprezando o aspeto preventivo que ela traz consigo. É muito típico do nosso país: ou nada se faz ou, quando se faz alguma coisa, de imediato se levantam vozes a criticar e dizer mal. Assim, nada feito.
Curiosamente, para os entendidos em números e estatísticas, diga-se que as mulheres têm vindo a fumar mais do que os homens; mas o que deve interessar a toda a gente é que o cancro de pulmão mata homens e mulheres de todas as idades e está geralmente associado à prática do tabagismo.
É precisamente nesta área que nos devemos concentrar: prevenir, prevenir, prevenir! E, sabendo-se que é nos centros de saúde que se inicia essa campanha, são necessárias consultas de acompanhamento e vigilância com a necessária formação específica para os profissionais, alargando-se a todas as unidades as consultas de cessação tabágica. Depois é preciso que a mensagem chegue às escolas e liceus – e, já agora, à comunicação social. Espalhem-se pelas cidades, pelas paragens de transportes públicos, placards publicitários, em vez dos lamentáveis apelos à automedicação.
Era bom que se privilegiasse o combate ao tabagismo como tarefa prioritária, visto que se trata de um fator de risco ‘major’ das doenças oncológicas, respiratórias ou cardiovasculares.
Deixemos de nos preocupar com questões secundárias e vamos antes dar as mãos, prevenindo o que está ao nosso alcance – e chegaremos lá. Como diz o slogan americano «Yes, we can», diremos nós também: «Sim, é possível»!