Ticão. Ordem para arrumar a casa

Desde que meteu as mãos nos processos que estavam entregues até há dias às substitutas de Ivo Rosa, Carlos Alexandre já teve de anular decisões e pôr muitas coisas a andar, incluindo recursos que estavam retidos.

Ticão. Ordem para arrumar a casa

Recursos que não subiam, decisões que poderiam pôr em causa o andamento dos processos e atrasos, vários atrasos. Era este o estado de alguns dos megaprocessos do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) que foram atribuídos ao juiz Ivo Rosa e que até há poucas semanas estavam nas mãos das juízas que durante um ano e meio substituíram o magistrado – que está em exclusivo com a instrução da operação Marquês.

Com o aproximar do debate instrutório do caso que tem José Sócrates como peça principal, o Conselho Superior de Magistratura decidiu por maioria que caberia a Carlos Alexandre assegurar a substituição do colega, tendo o despacho do vice-presidente daquele órgão contado apenas com os votos contra de Susana Ferrão, Victor Faria (que é advogado do Grupo Lena), Jorge Gonçalves e João Vaz Rodrigues. Destes quatro, porém, Susana Ferrão deixou claro em ata que a sua oposição não era em relação à opção tomada, mas quanto ao facto de não terem ficado por escrito as razões que conduziram à saída das juízas que substituíam Ivo Rosa e à escolha do juiz Carlos Alexandre, que é aliás o substituto legal. «A Exma. Srª. Dra. Susana Ferrão proferiu a seguinte declaração para a ata: ‘Não votei favoravelmente por considerar que deveriam ficar a constar as razões aduzidas no despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente, datado de 07/02/2020 e que conduziram às medidas adotadas’».

O SOL consultou esta semana alguns dos processos que foram herdados provisoriamente por Carlos Alexandre e encontrou vários dos problemas que terão forçado o Conselho Superior da Magistratura a entregar a condução dos mesmos a este magistrado.

Ao que o SOL apurou, desde a última segunda-feira, foram, por exemplo, cinco os recursos que chegaram ao Tribunal da Relação de Lisboa provenientes de processos que estavam nas mãos das juízas Conceição Moreno e Mariana Machado. Recursos esses que estavam há muito retidos no Tribunal Central.

 

Hells Angels, a instrução que teve de recomeçar do zero

No caso Hells Angels, por exemplo, a juíza Conceição Moreno começou a instrução a 27 de novembro dando ordens para que os advogados não assistissem aos interrogatórios e inquirições das outras partes, contrariamente ao que defende a lei. A situação levou mesmo as defesas a interporem recursos invocando nulidades, que acabariam por ficar sem efeito quando o juiz Carlos Alexandre pegou no caso e determinou o reinício dos trabalhos permitindo a presença das partes em todos atos de instrução. «Lidas as alegações de recurso, entendemos, sem prejuízo do mais elevado respeito pela decisão então tomada pela Exm.ª Juiz de instrução que, todos os arguidos acusados […] tem o direito, maximé nesta fase, a assistir a todos os atos de instrução  quer por si requeridos, quer os requeridos por outros arguidos, pelo que decido reparar o ‘agravo’», afirmou o juiz por escrito, repetindo igualmente a inquirição das testemunhas já ouvidas pela colega.

Este megaprocesso conta com 89 arguidos, que são suspeitos de terem planeado ataques contra um grupo rival daquela organização, ligado a Mário Machado. Em causa estão crimes de associação criminosa, homicídio qualificado na forma tentada, ofensa à integridade física qualificada, extorsão qualificada, dano qualificado com violência, roubo, tráfico de estupefacientes, detenção de armas e munições proibidas.

 

O caso AIMinho e decisões‘contraditórias’

No caso do processo que ficou conhecido como AIMinho, o juiz também decidiu anular uma das decisões tomadas pela juíza Mariana Machado – que só chegou ao tribunal no final do ano passado, quase seis meses após este estar no Tribunal Central em banho maria.

Assim que pegou no caso, Carlos Alexandre pronunciou-se sobre as irregularidades invocadas pelos arguidos EOSA e António Maria de La Rosa. «Como tem sido meu entendimento ao longo de quinze anos de exercício de funções neste TCIC, o conhecimento de irregularidades, nulidades, questões prévias e incidentais é efetuado na Decisão_Instrutória», referiu, esclarecendo que seria o que se passaria neste caso a partir desse momento.

Já sobre a decisão da juíza anterior, que aceitou o pedido de abertura de instrução feito pelos arguidos ao mesmo tempo que aceitou um recurso suspensivo sobre a validade da acusação, o magistrado explicou que não entendia como se poderia conjugar as duas coisas. Ou seja, como é que os arguidos poderiam pedir a abertura da fase de instrução (uma espécie de pré-julgamento), quando se queixavam de irregularidades na fase anterior, através de um recurso que tinha efeito suspensivo: «A um tempo e no mesmo despacho a Exma. colega que acompanhava os autos até á presente data, decidiu […] admitir o RAI de António de La Rosa e EOSA e designando até data para o interrogatório […] e na mesma data admitiu um recurso».

«Entendo que não se pode a um tempo admitir um recurso com efeito suspensivo […] e ao mesmo tempo admitir requerimento de abertura de instrução nos mesmos autos», acrescentou ainda o magistrado, dando sem efeito a admissão do recurso suspensivo.

Esta é uma megainvestigação que começou em 2012 mas que tem passado longe dos holofotes. O caso tem como peça central a Associação Industrial do Minho e aquele que durante mais de uma década foi o seu presidente, António Marques, mas estende-se a outras empresas participadas – e em causa estão suspeitas dos crimes de fraude na obtenção de subsídios europeus, associação criminosa, falsificação e branqueamento. A complexidade do esquema é tal que se cruza com o processo Vistos Gold, com Ricardo Salgado e com governantes do Executivo de Passos Coelho.

 

TCIC, o tribunal onde os recursos demoram a subir

O problema dos recursos que ficam retidos não é, porém, exclusivo destas magistradas. Na própria operação Marquês os assistentes já se queixaram dos atrasos no processamento dos recursos por parte do juiz Ivo Rosa e o Ministério Público teve de reclamar para que o juiz fizesse com que os seus recursos subissem imediatamente para a Relação de Lisboa.

O SOL questionou esta semana o Conselho Superior da Magistratura sobre os motivos que levaram à saída das magistradas e à escolha de Carlos Alexandre, e ainda sobre se aquele conselho está a acompanhar a problemática dos recursos alegadamente retidos no Ticão. Em resposta, o órgão de disciplina dos juízes limitou-se e reencaminhar a sua deliberação que colocou Carlos Alexandre a substituir Ivo Rosa, enquanto este estiver com a operação Marquês.

Nesta deliberação, que já havia sido noticiada pelo SOL na última edição, ficou ainda decidido que a substituição será reavaliada num prazo máximo de três meses.