Velocista à prova de bala

Nas primeiras horas da madrugada de 31 de Outubro de 2008, a união entre duas poderosas tradições norte-americanas atingiu uma estrela em ascensão no atletismo. Bryshon Nellum, que fora eleito o melhor atleta-estudante do país em 2007 por um grupo de 400 jornalistas, rumava a casa após uma festa de Halloween quando um dos vários…

«fui dando saltos só com uma perna até ficar em segurança. de lá para cá não fiz outra coisa se não recuperar», explicou em junho ao los angeles times, recordando o dia em que foi baleado por duas vezes na coxa esquerda e uma vez na barriga da perna direita. lesões que o levaram para o bloco operatório e que o obrigaram a ficar internado durante quatro meses, com necessidade de recorrer a uma cadeira de rodas para se deslocar à casa de banho.

os médicos mostraram-se sempre optimistas em relação à recuperação do jovem de 19 anos, mas mais cépticos quanto ao regresso do velocista que já corria os 400 metros em 45,38 segundos. bryshon confessa ter tido vários sonhos sobre o dia que travou a sua ascensão. «sonhava que fora atingido nos braços, ou nos ombros, em qualquer sítio que não as pernas», conta a reportagem do la times.

após um regresso aos treinos no início de 2010, reaparece com um segundo lugar nos 400 metros do meeting que opôs a ‘sua’ universidade do sul da califórnia (usc) à universidade de los angeles (ucla). mas foi forçado a nova paragem nesse mesmo ano para que uma segunda operação lhe retirasse fragmentos das balas perdidos na perna. «abriram-lhe as pernas três vezes, sempre a cortar músculo ou retirar tecido ou numa operação delicada para lhe retirar um fragmento que estava a atacar o nervo. só há oito meses é que ele voltou a treinar sem dores», conta o treinador ron allice, lembrando a última cirurgia, em agosto de 2011, que à semelhança das primeiras obrigou bryshon a «recomeçar literalmente do zero».

no topo em sete meses

para o atleta, todo o processo acabou para o ajudar «física e psicologicamente». bryshon diz que «todas as operações foram difíceis», mas em todas elas sentiu que ficou «mais forte». aprendeu a «treinar com dores» e quando finalmente estas desapareceram foi uma questão de tempo para voltar a brilhar.

em março, apenas sete meses após a delicada cirurgia de remoção do estilhaço que atacara o nervo, bryshon bateu pela primeira vez o seu recorde pessoal desde aquela noite de bruxas. fez 400 metros em 45,18 segundos durante uma prova de estafetas, mas sabia que tinha de «baixar ao segundo 44» se queria sonhar com os jogos olímpicos de londres.

e logo sendo norte-americano, a mesma nacionalidade dos homens que defendem as dez melhores marcas de sempre na especialidade de 400 metros. para se qualificar era necessário brilhar numa prova que contou com vários campeões mundiais e olímpicos da modalidade. chegar antes do segundo 45 não bastou a josh mance (44,88s) e a manteo mitchell (44,96s), que terminaram na quarta e quinta posição, respectivamente, e não receberam bilhete para londres.

já o homem que fora confundido com um membro de um gangue terminou no último lugar do pódio, após novo recorde pessoal de 44,80s que lhe garantiu acesso às primeiras olimpíadas da sua carreia, aos 23 anos. à sua frente só o campeão olímpico de 2008 e mundial em 2009, lashawn merritt – que terminou a prova com a melhor marca do ano (44,12s) –, e tony mcquay (44,49s), a outra surpresa do dia, com 22 anos. para trás ficaram homens como jeremy wariner, campeão em atenas-2004 e duas vezes campeão mundial nos 400 metros.

bryshon nellum está ainda longe do recorde mundial do célebre michael johnson (43,18s), mas tem margem de progressão: «há treinos que ainda não fizemos porque temos sido muito cautelosos e conservadores na pressão psicológica», explica o técnico allice, que vê o apuramento para londres como a melhor prenda para o seu pupilo: «no que me diz respeito, ele já ganhou».

nuno.e.lima@sol.pt