Veto à estatização. PS admite mudar lei para contentar Marcelo

O governo tem um problema: o PR vetou um dos assuntos mais sensíveis para a geringonça. Mas António Costa não tem vontade nenhuma de hostilizar Marcelo e admite alterações.

Costa não quer dar a ideia de um conflito aberto com Belém à boleia do veto à lei sobre os transportes do Porto. Para já, aproveita o calendário parlamentar para deixar o tema em banho-maria, mas o PS já admite alterar alguns pontos da lei para satisfazer as preocupações do Presidente. 

O dossiê é delicado e o primeiro-ministro decidiu não reagir a quente ao veto presidencial que, na prática, o impede de cumprir um dos compromissos assumidos à esquerda. Aproveitando o calendário dos trabalhos parlamentares, fica adiada para setembro a decisão sobre como contornar o veto à lei que visava impedir a entrada de privados no capital social nas empresas Metro do Porto e STCP. 

Costa podia anunciar já que o diploma voltará à Assembleia da República para ser reconfirmado pela maioria de esquerda e ultrapassar assim um veto que lhe causa problemas com os parceiros de geringonça. Mas optou por uma atitude prudente, dando indicações à bancada parlamentar socialista para analisar as possibilidades de alterar alguns pontos da lei para ir ao encontro das preocupações do Presidente, deixando claro que o PS não tem ainda uma posição fechada sobre o assunto.

PS admite estranheza “O PS ainda está a ponderar o que fazer”, explicava ontem ao i, ao final do dia, o vice-presidente da bancada parlamentar socialista João Paulo Correia, que preferia não se alongar em explicações, admitindo, porém, a “estranheza” perante a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa de não promulgar a lei.

Entre os socialistas caiu mal a atitude de Marcelo. “O veto é político e é ideológico”, comentava-se na bancada do PS, que viu com perplexidade a decisão presidencial. “Não se percebe bem o que está em causa no veto, porque o que a lei diz é que não podem entrar privados no capital social do Metro do Porto e dos STCP, mas nunca houve privados no capital social dessa empresa. No fundo, foi pôr no corpo da lei o que já existia. Claro que, no fundo, estamos a blindar a entrada de privados no futuro. Mas um veto a isso é ideológico”, comentava um deputado conhecedor do processo.

Na verdade, Marcelo Rebelo de Sousa deixa claro na nota de veto que a lei que travou não é inconstitucional, deixando totalmente evidente que a sua análise é política. O Presidente afirma que a lei é “politicamente contraproducente, e, por isso, excessiva e censurável”, mesmo sendo constitucional, e é assim que fundamenta o seu veto – o segundo veto político desde que tomou posse, já que o primeiro foi à lei da maternidade de substituição.

De resto, é por se tratar de um veto político que é possível ao parlamento não acatar legalmente a decisão de Marcelo. A Constituição dita que o veto político pode ser ultrapassado quando o diploma que é devolvido à Assembleia da República é reconfirmado pela maioria dos deputados. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o veto de Cavaco Silva à reversão feita por esta maioria das alterações à lei do aborto da autoria da maioria PSD/CDS. Seria, por isso, fácil a António Costa anunciar já que a lei será confirmada no parlamento. Mas o líder do PS prefere não o fazer, tentando antes conciliar o compromisso que assumiu à esquerda com a manutenção das boas relações com Belém. A ideia é que não passe a mensagem de que o governo está a confrontar Marcelo.

Mas será que este veto pode ser lido como uma mudança de atitude do Presidente em relação à maioria de esquerda? “Ainda é cedo para dizer. Vamos ter de ver como correm as coisas daqui para a frente”, analisa uma fonte da direção da bancada socialista.

BE e PCP irritados Mais à esquerda há menos paninhos quentes na análise. “Trata-se de um veto ideológico e excessivo do Presidente que põe em causa um fundamento de um acordo que foi feito e que sustenta a atual maioria e, portanto, o parlamento deve, obviamente, reconfirmar este diploma, mantendo a natureza pública destas empresas de transporte e concretizando um dos pontos fundamentais que sustentam a atual maioria, que foi a reversão das negociatas que estavam em curso para a privatização dos transportes, nomeadamente dos transportes públicos do Porto”, defendeu o bloquista José Soeiro. No PCP, Jaime Toga, da comissão política, disse esperar que “a Assembleia da República confirme a sua visão na defesa do papel do Estado em garantir o serviço de transportes na Área Metropolitana do Porto”.

Fazendo parte do acordo com BE e PCP o diploma que altera os estatutos do Metro do Porto e dos STCP, António Costa terá sempre de encontrar forma de cumprir o prometido e deixar os privados de fora da gestão das empresas de transportes públicos do Porto. Por isso, o PS está a estudar várias hipóteses. Uma delas é a de a lei ser feita pelo governo e não pela Assembleia, evitando a desautorização direta do Presidente pela maioria parlamentar. Para já, ficou decidido que o PS vai voltar a ouvir as autarquias da Área Metropolitana do Porto e estudar o dossiê, para só voltar a ele já em meados de setembro, depois das férias parlamentares, evitando assim a ideia de que o governo passa por cima da decisão do Presidente.