Zendensino: Cooperativa debaixo de fogo

Antigo presidente do conselho de administração de cooperativa de ensino de Esposende é acusado de falsificar assinaturas, comprar aparelhos com dinheiro público e dar trabalho à filha.

Gestão danosa, falsificação de assinaturas e benefício de amigos e familiares. Estas são algumas das acusações feitas à antiga administração da Zende Ensino – Cooperativa de Ensino IPRL de Esposende, liderada por António Conde. Ao que o SOL apurou as denúncias já chegaram ao Departamento de Investigação e Ação Penal de Braga que, até ao fecho desta edição, não confirmou se já foram constituídos arguidos.

Debaixo de todas as suspeitas está a compra de material informático diverso que nunca deu entrada na instituição – que recebe dinheiros públicos (valor ascenderá a 1,5 milhões de euros anuais) -, um contrato de trabalho com a filha de António Conde e ainda a falsificação da assinatura da atual diretora pedagógica em atas de reuniões de direção onde eram tomadas decisões relevantes como a abertura de concursos públicos.

Os contactos do SOL com a atual presidente do conselho de administração, Angélica Cruz, que é simultaneamente vereadora da Câmara Municipal de Esposende, começaram em julho. Logo nessa altura, o conselho de administração da Zendensino disse ter sido confrontado «com envelopes que foram expedidos, anonimamente, contendo fotocópias de ‘documentos’ acompanhados de suspeitas e denúncias que recaem sobre esta instituição». E anunciou ainda que decidiu remeter tudo para o Ministério Público, assim como avançar com um processo de averiguações interno – contactada ontem não foram dados mais esclarecimentos sobre se este processo já teve início.

Mas a verdade é que as denuncias não são recentes, tendo o assunto sido inclusivamente falado nas reuniões de câmara em 2016 – ano  em que António Conde saiu debaixo de fortes críticas, tal como a vereadora Jaqueline Areias. A forte presença da Câmara Municipal de Esposende (executivo PSD) neste estabelecimento de ensino prende-se com o facto de a autarquia deter 49% da cooperativa – os restantes 51% estão divididos pela Alfacoop e por outros três cooperadores individuais.

 

O material pago pela Zendensino que nunca entrou 

Segundo documentação a que o SOL teve acesso, nos últimos anos vários equipamentos foram comprados pela cooperativa, não chegando a dar entrada na mesma. Um desses casos foi a aquisição de 18 tablets na Worten da Senhora da Hora em fevereiro de 2014. Questionado, Vasco Miranda professor de informática na Zende Ensino e sócio da empresa RMC (que começou por ser uma  startup de cariz tecnológico na Escola Profissional de Esposende, mas que depois passou a fornecer bens e serviços à própria Zendensino), explicou que se tratou de tablets para os professores que os quisessem comprar com o desconto dado à instituição. Não respondeu, porém, como é que o suposto pagamento dos professores deu entrada, se é que deu, na Zendensino.

Numa das denúncias anónimas a que o SOL teve acesso é referido que este não é caso único: «Há listagens de equipamentos que nunca foram vistos na instituição. Desde material informático, televisões, passando por instrumentos musicais e material de cozinha».

 

As ligações perigosas à empresa RMC

Basta uma simples consulta ao portal de contratação pública  – Base.Gov.pt – para se perceber que só entre 2016 e 2017 a RMC lucrou  perto de 68 mil euros com assistência e manutenção do parque informático da Zendensino e ainda com a aquisição de materiais de escritório diversos. Antes, em 2012, a RMC já tinha ganho um contrato para assistência e manutenção do parque informático da Zendensino, Infraestrutura, Servidores e Hardware Educativo de Suporte. Todas estas contratações foram por ajuste direto, ou seja, sem abrir concurso público.

A RMC chegou a ter como sócios António Conde e Rui Areias, familiar da vereadora e ex-membro da administração da Zendensino Jaqueline Areias. Mas os mesmos cessaram funções em 2011 – desde então ficou apenas Vasco Miranda, que é professor na instituição e presta serviços à mesma através da empresa. 

Contactado pelo SOL Vasco Miranda negou em agosto as acusações de que é alvo, garantindo que «toda esta história surge e serve guerras políticas locais». Defendendo a postura da administração que esteve em funções até 2016, presididas por António Conde, Vasco Miranda adiantou que «durante muitos anos, tanto quanto julgo saber, o próprio (Dr. António Conde) avalizou sozinho com os seus bens pessoais empréstimos avultados junto da banca por forma a garantir o normal e regular funcionamento da instituição ao longo dos tempos e seus constrangimentos, deixando-a saudável e em pleno funcionamento».  

«Até mesmo na relação com a RMC, não chegou sequer a recuperar o capital social investido enquanto sócio inicial – nem os outros sócios – quando se decidiu terminar a sua atividade, e eu a assumi», disse, acrescentando que quando começaram a surgir acusações, «a RMC, desconfortável por se sentir instrumentalizada em guerras políticas, entregou um documento [que anexa ao email], como esclarecimento das várias interpretações e insinuações, colocando de imediato o seu lugar à disposição».

Algo que, diz, voltou a fazer mais tarde, inclusivamente com o Conselho de Administração que esteve em funções entre 2016 e 2018, que era presidido por José Ferreira – e que tinha como representante da autarquia o vereador Rui Pereira. Diz ainda que após o surgimento da denúncia anónima que acabou por seguir para o MP, a RMC mostrou-se indisponível, já em 2018, para manter as relações com a Zendensino – uma das principais clientes desde que foi criada.

Além de a denúncia frisar que  o antigo presidente da administração António Conde chegou a decidir as suas próprias remunerações, é ainda referido que a então vereadora da Educação Jaqueline Areias terá tido direito a uma compensação financeira ilegal, dado que era membro de um executivo camarário e estava naquelas funções em representação do mesmo.

 

A falsificação de assinaturas

Um dos casos mais graves e que o SOL confirmou foi a falsificação de assinaturas de Sandra Maria Araújo de Amorim nas atas de direção, neste caso foi usada uma assinatura digitalizada sem conhecimento da própria. Num documento enviado ao então presidente do conselho de administração, Sandra Amorim, também cooperadora individual, informou que não assinou algumas atas em que surge a sua assinatura e esclarece: «Considero que este tipo de procedimento é ilegal e criticável; Preocupa-me que este tipo de prática possa ser usada noutras circunstâncias, pois desconheço se existem outros documentos em que a digitalização da minha assinatura possa ter sido usada sem o meu conhecimento».

Questionada ontem, Sandra Amorim confirmou que a sua assinatura foi usada sem autorização, sem querer fazer qualquer outro comentário. O SOL sabe ainda que outro dos pontos que consta da denúncia que está a ser analisada pelo DIAP de Braga é o contrato de trabalho celebrado entre a filha de António Conde e a Zendensino, entre 2008 e 2015. Várias fontes confirmam que a partir de 2012, a responsável deixou de estar presente, continuando a receber salário sem estar nas instalações.

Apesar de assumir que iria enviar o caso para o MP, em nota enviada ao SOL, o atual conselho de administração, presidido pela vereadora do PSD, Angélica Cruz, salienta que a alegada má gestão refere-se a factos antigos: «Os factos descritos, que estarão na base de alegadas práticas ilícitas, remontam há mais de 16 anos (desde 2001) e que, por conseguinte, saem claramente do domínio de atuação do atual conselho de administração. Porém, em defesa do bom nome da instituição, cujos órgãos sociais agora integramos, garantimos a disponibilização de todos os meios para que a verdade seja apurada».