O combate à precariedade é uma das principais prioridades da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), e existe atualmente um setor que tem dado muitas dores de cabeça: o dos transportes. Principalmente, por causa do aparecimentos da plataforma Uber e dos Tuk Tuk.
Ao i, António Robalo dos Santos, Subinspetor-Geral da ACT, explica que “existem situações que preocupam desde sempre. Sejam elas, recibos verdes ou contratos com recurso abusivo de estagiários”, mas, nos últimos tempos, há novas tendências e situações que preocupam a ACT e “o aparecimento da Uber é uma delas”. Por ser uma plataforma de tecnologia e não um operador de transporte são levantadas questões que, para já, ainda não parecem ter solução à vista. “Este fenómeno da Uber é acompanhado por nós com grande preocupação nem que seja porque não é claro o tipo de relação que existe entre o condutor que faz estes serviços para a Uber e a própria plataforma”. “É imperativo perceber se existe uma ligação laboral ou uma prestação de serviços. E também se existe ou não trabalho que não esteja a ser declarado”, acrescentou.
Uma situação que tem levantado dúvidas à ACT a que se junta a atividade dos Tuk Tuk, pelos mesmos motivos.
A questão do trabalho não declarado é, aliás, outro dos focos da Autoridade para as Condições do Trabalho, que tem assistido a um agravamento nesta matéria. “O trabalho não declarado tem aumentado em Portugal. Antes era uma questão que se colocava principalmente de forma sazonal nos setores da agricultura e da restauração”, explica, acrescentando que atualmente o cenário é dramático: “Agora, é um tema que preocupa muito mais porque deixou de acontecer apenas em determinados meses. Generalizou-se e é um problema com qual nos deparamos durante o ano inteiro”.
Para António Robalo dos Santos, o problema é que muitos jovens veem nestas oportunidades uma hipótese de entrar no mercado de trabalho e, mesmo quando reconhecem viver em situações cada vez mais precárias, existe o medo de perderem o pouco que têm. “Por exemplo, os recibos verdes continuam a ser um problema. E vão ser enquanto não tivermos mais poder. Até porque os trabalhadores, muitas vezes, ficam prejudicados quando há uma intervenção porque acabam por ser despedidos. O empregador, depois de detetado, devia ser logo obrigado a integrar o trabalhador. Porque a verdade é esta: as pessoas não apresentam queixa por medo. Há muitos que acabam sem trabalho”.
O fenómeno do trabalho temporário Mas existem outras formas de entrar no mercado de trabalho que trazem problemas a quem as escolhe. Um dos casos é o trabalho temporário. Contratos mensais renovados automaticamente, celebrar contratos em outsourcing, salários baixos sem margem para aumentos, ausência de regalias. É este o quadro geral dos trabalhadores que são obrigados a recorrer às empresas de trabalho temporário porque é uma das poucas saídas que lhes restam.
A verdade é que esta é, na maior parte dos casos, a única solução para não cair numa situação de desemprego. E a realidade fala por si: anúncios de emprego temporário não faltam, quer para Portugal quer para o estrangeiro. E se recorrer à internet é possível submeter a candidatura e seguir os passos de qualquer outro processo de recrutamento, apesar da precariedade dos mesmos.
Outra desvantagem diz respeito à dificuldade em sair desta espiral de trabalhos temporários, mesmo com bons resultados. A isso há que somar os elevados custos que as empresas têm ao recorrer ao outsourcing, mas que não se refletem no salário de quem presta o serviço.
Ainda assim, a Associação Portuguesa das Empresas do Setor Privado de Emprego (APESPE) vê o trabalho temporário como uma porta de entrada para o mercado laboral e que ganha especial relevo em determinados segmentos, como os jovens e os trabalhadores seniores.
São estas duas franjas que apresentam o maior peso na lista de inscritos do Instituto de Emprego e Formação Profissional e os que têm maior dificuldade na colocação. “Arrisco a dizer que hoje em dia o trabalho temporário é uma das portas, se não a grande porta, de entrada para essas pessoas”, salienta o presidente da associação, Afonso Carvalho.
Apesar de reconhecer o seu papel na reintegração dos colaboradores no mercado de trabalho, o responsável admite que também este setor foi atingido pela crise e houve casos de empresas que foram obrigadas a fechar portas. “O trabalho temporário começa a crescer antes de a economia crescer. Somos um verdadeiro termómetro da situação económico laboral do país. Em 2009 bateu no fundo e a partir daí tem vindo a crescer”, mas, apesar desta ligeira melhoria, algumas empresas foram obrigadas a fechar. Os motivos são vários: “Não só por questões económicas, mas também devido a questões fiscais e à falta de capacidade financeira para manter a atividade”, diz.